Rio sofre com um prefeito que ainda não tomou posse

Rio sofre com um prefeito que ainda não tomou posse

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No DCM – Durante sua campanha para a prefeitura do Rio, os marqueteiros do então candidato Marcelo Crivella cunharam um slogan tido pelos profissionais da área como um achado : “Cuidar das pessoas.” Imagina o impacto desta mensagem para os habitantes de um município transformado nos últimos anos, por conta da realização dos grande eventos, em um gigantesco canteiro de obras em detrimento do atendimento de saúde e do oferecimento de educação de qualidade, dentre outras mazelas sociais.

Embalado por um turbilhão de promessas voltadas para a melhoria da qualidade de vida dos cariocas, o bispo da Igreja Universal do Reino de Deus logrou fixar no imaginário do eleitor, especialmente o das áreas mais pobres e desassistidas do município, uma imagem de “paizão” e benfeitor das centenas de milhares de pessoas que enfrentam um calvário diário para ir e vir do local de trabalho, matricular os filhos na escola ou padecem nas filas para encontrar vaga nas unidades municipais de saúde.

Daí a chegar ao segundo turno e vencer as eleições foi um pulo. Naquele período tradicional de lua de mel dos políticos com o eleitorado, entre a eleição e a posse, Crivella reafirmou seus compromissos de campanha, ao mesmo tempo em que montava um secretariado, cuja composição já dava pistas do estelionato eleitoral que estaria por vir, optando por uma equipe repleta de políticos conservadores e sem histórico de compromissos com o bem-estar social do povo.

E não deu outra. Desde que assumiu a prefeitura, Crivella vem se notabilizando por ser um prefeito ausente, preguiçoso e incapaz de compreender a dimensão do cargo que ocupa. Virou um exemplo real de como é nociva a promiscuidade entre a atividade política e a religião. Ao longo de um ano e poucos meses de mandato, o alcaide deu mostras sucessivas de que sua função pública está a serviço dos interesses imediatos e filosóficos de sua igreja. Nada mais antirrepublicano.

Seu fundamentalismo neopentecostal o levou a dificultar, coibir, ou mesmo perseguir, manifestações artísticas e culturais enraizadas na cultura popular carioca. Impõe também um sem número de obstáculos à livre expressão das religiões de matriz africana. Tudo que se choca com os dogmas de sua igreja é visto, no mínimo, com má vontade pelo prefeito.

Já em áreas sociais de importância crucial, o quadro de abandono fez com que o slogan “cuidar das pessoas” virasse piada. Na saúde, por exemplo, greves de todas categorias são rotineiras, pois a prefeitura atrasa salários e negligencia gravemente seu compromisso constitucional de oferecer atendimento à população, ao não suprir as unidades de saúde com os insumos e os medicamentos necessários.

Enquanto isso, o prefeito se limita a instruir seus auxiliares a usar diante das cobranças da entidades representativas dos servidores a velha desculpa da falta de recursos, da crise, etc. Mas o chefe do executivo municipal, além de nunca ter se dignado a receber os servidores, tampouco abriu, de forma transparente, as contas da prefeitura. Se o conjunto do povo brasileiro passa por uma quadra de sofrimento com o corte brutal de direitos por parte do governo golpista, imagina os cariocas e fluminenses entregues ao Deus dará por Pezão e Crivella?

Diante desse cenário de total abandono e descalabro do município e do estado, o prefeito tomou gosto por flanar pelo mundo sob a falsa alegação de que suas viagens têm caráter oficial, quando até o mais ingênuo dos cariocas sabe que seus périplos visam compromissos religiosos e particulares, a exemplo do que ocorreu no carnaval, ocasião em que, literalmente, fugiu da cidade. Mas, como mentira tem pernas curtas, seu próprio anfitrião fez questão de explicitar a natureza particular de sua viagem nos dias de Momo. Esse turismo com verba pública rendeu a Crivella inclusive uma investigação por parte do Ministério Público.

Aliás, o tratamento obtuso e preconceituoso dispensado pelo prefeito à maior festa popular do Rio, do país e, quiçá, do mundo, o carnaval, só realça sua inaptidão para o cargo de prefeito de um município com as características do Rio. No fundo, ele deve estar arrependido de ter se candidatado e maldizer o fato de ter sido eleito. Ninguém está cobrando, cabe sublinhar, que Crivella brinque o carnaval, apenas que tenha um mínimo de compreensão do que ele significa para a Cidade Maravilhosa.

Gafes e vexames são consequências naturais de quem não tem vocação para determinadas funções, mas insiste em ocupá-las. Ante o caos provocado por um temporal quase diluviano que deixou milhões de cariocas sem energia elétrica por até cinco dias, derrubou centenas de árvores e alagou vastas áreas, o prefeito, de volta de viagem, se limitou a dizer que “o Rio suportou bem o temporal” e que vai criar o “balsa família”, um inaceitável deboche com as vítimas da chuvarada.

Na sequência, o prefeito tratou de integrar a comitiva que veio ao Rio sacramentar a intervenção militar contra os pobres. Como não pode se dar ao luxo de andar pelas ruas devido à forte rejeição das pessoas, a trinca Temer, Pezão e Crivella optou por descer de helicóptero no gramado do Estádio das Laranjeiras, ao lado do Palácio Guanabara. Enfurecido, ao ver a imagem dos três caminhando pelo campo, um amigo tricolor disparou : “Tem que arrancar o gramado e trocar por outro. E, para garantir que não haja mesmo nenhuma contaminação, remover também a terra sob o gramado.”

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Wadih Damous – deputado federal e ex-presidente da OAB

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