Dia Internacional do Direito à Verdade, instituído por lei no Brasil, será celebrado pela primeira vez em 2018
Na Carta Capital – A Verdade é um substantivo feminino ausente no Brasil – e isso precisa mudar. Em 24 de março, o país celebra, pela primeira vez em sua História, o Dia Internacional do Direito à Verdade. O objetivo da data, instituída por meio da Lei nº 13.605/2018, é promover a reflexão coletiva sobre as situações em que ocorreram graves violações aos direitos humanos.
A lei brasileira segue uma diretriz mundial: em 2010, a Assembleia Geral das Nações Unidas proclamou o dia 24 de março como o Dia Internacional do Direito à Verdade sobre Graves Violações aos Direitos Humanos e da Dignidade das Vítimas. A data homenageia o monsenhor Óscar Arnulfo Romero Galdámez, religioso católico atuante em El Salvador. Defensor dos direitos humanos, ele foi assassinado – enquanto celebrava a missa, em 24 de março de 1980 – por um atirador do exército salvadorenho.
Pousando os olhos sobre o Brasil, poucas datas são tão relevantes para compreendermos a realidade nacional. Nesse momento em que emergem diversas formas de ódio, injustiça e violência, o país precisa centrar esforços em seu (re)encontro com a verdade, compreendendo-a como um direito de todas as cidadãs e de todos os cidadãos. Trata-se de um exercício complexo, mas libertador.
Nas lutas por outro substantivo feminino, a democracia, muitas brasileiras e muitos brasileiros foram violentados, humilhados, torturados, assassinados. Diante da injúria e da injustiça, exercer o Direito à Verdade depende, antes de tudo, de um ato de coragem: precisamos fazer perguntas incômodas, exigir respostas doloridas e cobrar medidas reparadoras.
Nesse sentido, é inaceitável o desconhecimento de violências ainda obscuras cometidas pela ditadura civil-militar que submeteu o país entre 1964 e 1985. É incomensurável a dor das famílias que desconhecem o paradeiro de seus entes queridos ou precisam conviver com o sofrimento e traumas delas e deles.
É também inaceitável não obtermos respostas, quando conseguimos formular tantas das perguntas: o que o Brasil faz diante do fato de que há 5 mil homicídios de mulheres e 500 mil estupros por ano, segundo dados da OMS e do IPEA? Quais são as políticas públicas empreendidas para enfrentar a inaceitável realidade de que a cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 71 são negras – segundo o Atlas da Violência de 2017? Como o Brasil vai enfrentar o fato de que, a cada 25 horas, é assassinada uma pessoa LGBT? Por que o Brasil continua, a 518 anos, cometendo violências contra os povos indígenas?
No rol de perguntas imprescindíveis, uma é cabal: por que o Brasil ainda não universalizou os direitos sociais inscritos na Constituição Federal de 1988? Quais medidas são tomadas para reverter esse quadro?
Dom Óscar Romero dedicou sua vida à consagração da justiça social. Foi a força de suas ações, propósitos e compromissos que levou seus algozes a cometerem o crime. Na noite do dia 14 de março, em pleno centro do Rio de Janeiro, a vereadora carioca Marielle Franco (PSOL-RJ) foi executada pela potência de sua luta por igualdade social e econômica.
Com ela, também foi sumariamente assassinado o motorista Anderson Gomes. O Brasil tem o Direito à Verdade sobre esse crime brutal. Entre tantas outras coisas, ele reflete o fato de que a luta pelos Direitos Humanos contraria as estruturas de poder do país.
Diante das iniquidades, das omissões e das injúrias, a postura de quem busca efetivamente a Verdade pode ser balizada pela sentença do bispo sul-africano Desmond Tutu, laureado com o Prêmio Nobel da Paz em 1984: “se você é neutro em situações de injustiça, você escolhe o lado do opressor.” A Verdade tem lado e não é o de quem oprime.
Lutar pela consagração do Direito à Verdade significa trilhar o caminho mais promissor rumo à Justiça. Que a cada dia 24 de março, com coragem e obstinação, nós busquemos meios de tornar o Brasil um lugar verdadeiramente bom e digno de se viver.
*Luiza Erundina de Sousa, 83 anos, assistente social, deputada federal (PSOL-SP) e autora da Lei 13.605/2018. Foi prefeita de São Paulo (1989-1993)
Daniel Cara, 40 anos, cientista político, doutorando em educação (USP) e coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação