A visão de fora de quem está por dentro
Por Vinicius Canova (viniciuscanova89@gmail.com) / http://oespectador.com
A palestra de Barroso… de 2018
Conforme a coluna publicou na última sexta-feira (30), não há dúvidas: o Tribunal de Contas (TCE/RO) realmente contratou a palestra do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso por R$ 46,8 mil/hora.
A dúvida
A única questão remanescente reside na própria dúvida plantada pelo ministro após declarações apresentadas à colunista da Folha, Mônica Bergamo. Barroso informou que não firma contratos com órgãos públicos e, além disso, que o valor aventado de R$ 46,8 mil “É completamente fora do padrão, fora do que eu cobro”.
A palestra de Barroso… de 2017
Mas em 2017, o ministro esteve em Rondônia para ministrar palestra dentro da programação do VI Fórum de Direito Constitucional e Administrativo aplicado aos Tribunais de Contas, uma realização do TCE/RO – por meio da Escola Superior de Contas. À ocasião, o membro do STF destacou o papel dos Tribunais de Contas no combate à corrupção.
E ano passado, ele veio de graça?
Talvez o juiz seja altruísta, claro, há sempre a possibilidade. E cada um que faça seu próprio juízo de valor a respeito, já que o procedimento ocorre fora dos padrões de transparência atinentes a quase todos os atos administrativos do País. Eu disse QUASE todos. Mas alguém recebeu, sim, pra que ele estivesse aqui; portanto, o “valor fora do padrão” atrelou-se ao seu nome já no ano passado – e o numerário foi repetido em 2018. “O Espectador” obteve, novamente com exclusividade, documentos que comprovam o pagamento de R$ 46,8 mil (mesma monta discutida atualmente) destinado à empresa intermediária: Supercia Capacitação e Marketing. Ela de novo!
E a PGE/RO, claro, opinou favoravelmente
Fábio de Sousa Santos, o mesmo procurador que apresentou parecer favorável ao pagamento de 2018, também assinalou positivamente ao dispêndio em 2017. Curiosamente, lá estava o nome da Supercia Capacitação e Marketing e, obviamente, do ministro Barroso – aquele que diz não contratar com o poder púbico.
Simples questão de legal/imoral?
Já que não estamos falando sobre algo irregular, e a Procuradoria-Geral do Estado (PGE/RO) não me deixa mentir, aos reducionistas o gasto – duas vezes – pode soar como mera xurumela queixosa de quem não tem o que fazer. E é natural que soe assim num País onde já não se discutem questões de ordens moral e ética. Nós apenas passamos por cima da compostura ideal para chegar logo ao que interessa: se é ilegal ou não.
E isso…
Nos coloca de volta à bifurcação proposta na coluna anterior: o caminho que indica uma mentira lançada pelo ministro à nação inteira –, ou, na melhor das piores hipóteses, àquele em que alguém estaria levando vantagem usando o nome de Barroso. E não consigo crer que a ingenuidade de um ministro possa ser tão extensa quanto seu currículo.
Curioso
Curiosamente, após a repercussão nacional sobre a palestra de R$ 46,8 mil em 2018, um memorando acostado ao processo de pagamento do ano anterior pediu o desarquivamento dos autos para “fins de análise processual”. O pedido, apresentado na última segunda-feira (02), foi assinado por um dos assessores técnicos da Corte de Contas. Será que ressuscitaram o processo para, finalmente, prestar esclarecimentos à população de Rondônia? Eu aposto que sim!
Horinha com Barbosão
No processo de pagamento voltado à palestra de Barroso em 2017, a empresa responsável enviou proposta para cotação de preços apresentando valores para que o ex-presidente do Supremo Joaquim Barbosa fosse conferencista no fórum do TCE/RO. No caso, a intermediária seria, também, a Supercia Capacitação e Marketing. E quanto nos custaria 60 minutos com Barbosão? Só R$ 121 mil/hora; R$ 2,016 por minuto e R$ 33 por segundo. “Bom dia, meu nome é Joaquim Barbosa, sou ex-ministro do STF”. Essa fala duraria 4 segundos e ele já teria recebido R$ 134,40. Mas essa aula, felizmente, não pagamos.
Ministros do STF não estão sujeitos ao CNJ
Em 2017, o Valor Econômico publicou extensa reportagem intitulada “Após um ano, regra de transparência para palestra de juiz é descumprida (clique aqui para ler)”. Menciona o texto: O STF é o único tribunal que não cogita criar espaço específico em seu site para dar transparência às palestras de seus membros. A corte divulga a agenda dos ministros, e alguns eventualmente citam participação em palestras nesse espaço. Mas em desacordo com a regra do CNJ.
Transparência?
A nova resolução do CNJ vale para toda a magistratura nacional com exceção do Supremo. Como o STF não se submete às resoluções do Conselho, seus onze ministros não precisam informar nem as datas ou os contratantes das palestras que eventualmente concordem em proferir. E ainda: CNJ autoriza que juízes ministrem palestras com pagamento sigiloso
Déjà Fux
Confesso que quando eu li a explicação de Barroso à Folha bateu a sensação ligeira de “já vi isso antes em algum lugar”. Pesquisei, e, voilà: a resposta para o meu déjà vu estava lá, no mesmo veículo de comunicação, em reportagem veiculada em 2015. E a estrela da notícia era o ministro Luiz Fux. Confira: Governo de Minas oferece R$ 40 mil por palestra de ministros
“O governo de Minas Gerais convidou os ministros Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, e Luís Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça, para proferir palestra de uma hora sobre o novo Código de Processo Civil, oferecendo R$ 40 mil como remuneração a cada um”.
“Não recebo de órgãos públicos”
A reportagem informou, ainda, que no dia 14 de maio de 2015, Fux enviou cópia de mensagem remetida à Casa Civil, na qual diz que, informado pela Folha de que o evento seria pago pela secretaria, decidiu “cancelar o curso programado”. “Não recebo remuneração de órgãos públicos, como imaginei não ser a natureza jurídica da Inovare Eventos”, justificou na mesma linha de Barroso. É bom lembrar que Fux foi conferencista no mesmo evento do TCE/RO em 2017.
A sova retórica de Eliana Calmon
Eliana Calmon, ex-corregedora nacional de Justiça, enxergou “superfaturamento” à época. “Não se paga isso nem no Estado nem na iniciativa privada”. E concluiu: “Como juíza, sendo remunerada pelo Estado, que exige dedicação integral, nunca cobrei do Estado e de autarquias. Por ética, não poderia cobrar”.
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Autor / Fonte: Vinicius Canova / O Espectador