Lula em contagem regressiva para ser preso

Lula em contagem regressiva para ser preso

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Maioria do STF decide negar ‘habeas corpus’ que evitaria prisão do ex-presidente.

Petista agora depende do resultado de um último recurso a que tem direito no TRF-4

 

No El País

Luiz Inácio Lula da Silva perdeu nesta quarta-feira sua principal chance de evitar a prisão antes das eleições. Por 6 a 5, a maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) negou habeas corpus pedido pelo petista que visava evitar que sua pena de 12 anos e um mês de detenção por corrupção passiva e lavagem de dinheiro começasse a ser cumprida sem que se esgotassem todos os recursos ainda disponíveis na Justiça brasileira. Com essa decisão, o futuro do ex-presidente e líder nas pesquisas de opinião para a votação presidencial fica, por ora, pendurado por um prazo do último recurso no Tribunal Regional Federal 4 (TRF-4), em Porto Alegre, previsto para ser decidido nas próximas semanas. Lula não se pronunciou e o PT lançou nota classificando esse 4 de abril de 2018 como “um dia trágico para a democracia brasileira.”

O voto decisivo para destino de Lula foi o de Rosa Weber. E ela agora pode ser, ironicamente, a única e incerta salvação para tirar o petista da cadeia em relativo pouco tempo. A decisão de Weber era uma incógnita até o início da sessão. De um lado, ela sempre defendeu como posição pessoal que a prisão de um réu não pode acontecer antes da condenação na última instância, ou seja pró-Lula. Por outro, ela vinha se submetendo ao entendimento do Plenário da Corte, estabelecido em 2016, que é favorável à prisão após a segunda instância, ou seja contra Lula. Depois de um voto complexo e hermético no qual ela brandiu sua coerência por não desrespeitar a maioria do tribunal, ela inclinou o apertado placar contra o ex-presidente.

Weber deixou claro, porém, que está pronta para mudar de posicionamento assim que o Supremo decidir julgar duas Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) que esperam avaliação. As chamadas ADCs debatem o mérito do tema central em discussão: afinal, começar a cumprir a pena, antes de esgotados todos os recursos, viola ou não a presunção de inocência prevista na Constituição? Weber será, se seguir seu entendimento pessoal, favorável a elas. Assim, o placar se inverteria: seria 6 x 5 contra a prisão em segunda instância, o que beneficiaria o ex-presidente.

O problema maior de Lula tanto antes como agora, no entanto, é que quem decide quando pautar uma sessão para votar as ADCs é a presidenta do Supremo, Cármen Lúcia. A defesa do ex-presidente ainda tentou congelar qualquer novo passo até esse julgamento, mas a tentativa não prosperou. Agora, portanto, a única esperança do petista para evitar a prisão ou revertê-la em tempo breve é que a número 1 do Supremo sofra pressão crescente e decida fazer isso o quanto antes, de preferência antes de que sua ordem de prisão seja emitida pelo TRF-4.

Manobra de Cármen Lúcia

Boa parte da sessão histórica do Supremo girou, justamente, em torno das duras críticas de parte dos ministros à estratégia de Cármen Lúcia, que escolheu pautar o pedido de habeas corpus de Lula, e não o julgamento das ADCs, que teriam outro desfecho. Foi o tema que provocou os maiores enfrentamentos entre os ministros. “Que isso fique nos anais do tribunal. Vence a estratégia, o fato de Vossa Excelência não ter pautado as Ações Declaratórias de Constitucionalidade”, disse Marco Aurélio Mello, que é o ministro relator das ADCs já liberadas para ir a plenário. “Mesmo com mudança anunciada [no entendimento sobre a prisão], o STF decidiu denegar a ordem de habeas corpusde Lula. Isso gera questionamentos ainda maiores sobre a estabilidade da decisão”, disse a professora da FGV Direito de São Paulo e coordenadora do Supremo em Pauta, Eloísa Machado, que chama a estratégia da presidenta do tribunal de “manobra sem precedentes”.

O julgamento, que durou mais de 10 horas, foi marcado por alfinetadas entre os ministros, falas duras e críticas, tanto à mídia, por parte de Gilmar Mendes, quanto às pressões do general Eduardo Villas Bôas, comandante do Exército brasileiro, que às vésperas do julgamento lançou mão de frases polêmicas em seu Twitter criticando uma possível “impunidade”, lida como pressão caso o STF acatasse o pedido da defesa de Lula. “Insurgências de natureza pretoriana, à semelhança do ovo da serpente, descaraterizam o poder civil ao mesmo tempo em que o desrespeitam”, rebateu o decano Celso de Mello, tomando para si o papel de defender o tribunal.

Na divisão do plenário, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Cármen Lúcia se uniram com Rosa Weber para formar a maioria que negou o habeas corpus do ex-presidente. Alguns resolveram falar apenas do habeas corpus de Lula, outros de debruçaram sobre a tese de fundo, levando de novo o debate das ADCs para a sala. Barroso foi um dos mais eloquentes ao argumentar que, se o Supremo impedisse a execução provisória da pena, entregaria o sistema judicial brasileiro à “impunidade”. “Esse não é o país que eu gostaria de deixar para os meus filhos. Um paraíso de homicidas, estupradores e corruptos. Eu me recuso a participar sem reagir de um sistema de Justiça que não funciona. E quando funciona é para prender menino pobre, geralmente primário e de bons antecedentes”, discursou.

A minoria que votou a favor de Lula foi formada pelos ministros Marco Aurélio, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski, que já haviam decidido em outras ocasiões pela prisão apenas após o trânsito em julgado da sentença. Gilmar Mendes e Dias Toffoli também concederam o pedido da defesa, ainda que tenham defendido uma tese intermediária: que a prisão seja permitida após decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sem que se espere uma manifestação final do STF. “Essa corte presume um espaço de proteção e defesa dos direitos fundamentais. Não podemos nos expor à pressões externas, sob pena de completa subversão do regime constitucional”, criticou Mello, em contraste com Fux que fez menções ao clamor popular contra a corrupção.

PT se diz disposto a manter Lula candidato até o fim

Lula assistiu ao julgamento do Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo do Campo, seu berço político. Estava acompanhado de apoiadores, militantes e da ex-presidenta Dilma Rousseff numa mobilização que não chegou a ser massiva. Já noite avançada, resolveu se recolher. Além do clima de indignação que se espalhou pelas redes simpáticas ao partido, o clima no PT era um só: a determinação de manter a pré-candidatura de Lula à presidência até onde for possível.

A argumentação é que, tecnicamente, nem mesmo a agora provável prisão do ex-presidente impediria que ele siga se postulando à presidência. Respaldado pelas pesquisas, que mostram o petista em primeiro lugar em todos os cenários, o partido seguirá em silêncio, pelo menos oficialmente, sobre um possível plano B, caso a candidatura de seu maior líder seja legalmente impedida com base na Lei da Ficha Limpa. O apelo para esse rumo não é desprezível: o último levantamento do instituto Datafolha, de janeiro, mostrava o petista com 36% das intenções de voto.

A reportagem apurou que somente Lula poderia tomar a decisão de desistir de sua candidatura. Ou seja, se depender do PT, tudo fica como está, “mesmo que ele seja preso”. Diante da possibilidade de um pedido de prisão iminente, as caravanas que o Partido dos Trabalhadores vinha realizando desde o ano passado pelo Brasil podem ser suspensas. Outra possibilidade que não está descartada é a de o ex-presidente se entregar, quando sair a determinação da prisão, evitando assim, uma operação da Polícia Federal para levá-lo à prisão.

A quarta-feira terminou com grupos de direita anti-Lula lançando fogos de artifício em alguns lugares, como Brasília, para comemorar a derrota no STF do líder mais popular do país nas últimas décadas. Do outro lado, os apoiadores do PT prometiam resistência e pressão sobre Cármen Lúcia. O Brasil acorda na quinta-feira tenso como na véspera e em contagem regressiva para um dos capítulo mais dramáticos de sua novela política.

 

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