O bispo e a puta

O bispo e a puta

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Malu Fontes – Quando Tom Jobim, com seu senso de humor inesquecível, diagnosticou que o Brasil não era um país para principiantes, ou foi condescendente demais com as possibilidades de o país ser compreendido, ou as coisas pioraram muito por aqui desde a sua morte ou as duas coisas juntas. A verdade, mesmo, é que o Brasil e seu povo são um fenômeno impossível de ser entendido, mesmo que estudado à exaustão.

O desfecho da Lava Jato, com a prisão do ex-presidente Lula, foi mais uma comprovação da tese: se um ET chegasse hoje ao país e tivesse uma vaga ideia do que é coerência, embaralharia tudo o que aprendeu antes. Vejamos um dos episódios mais freaks entre os ocorridos no fluxo da prisão do ex-presidente: um cafetão famoso nas altas rodas da principal cidade brasileira, dono do puteiro mais famoso do país, faz uma promessa de que, se Lula fosse preso, faria uma festa de comemoração no meio da rua, em frente à sua casa de saliências, localizada no bairro de Moema, um reduto de classe média alta em São Paulo, e distribuiria gratuitamente nove mil latas de cervejas geladíssimas a quem aparecesse por lá. E cumpriu a promessa.

Jacutinga
Nas redes sociais, ativistas da extrema-direita conservadora e que militaram pelo impeachment de Dilma, postaram convites chamando para o beer livre, usando a hashtag sextou, já que a sexta era o dia determinado para Lula entregar-se à Policia Federal. O MBL, Movimento Brasil Livre, foi um dos que convidaram explicitamente para a comemoração no puteiro. A festa em si foi inominável: em tempos de empoderamento feminino, o cafetão de luxo Oscar Maroni, o anfitrião, expôs a bunda de mulatas vestidas a rigor, exibiu prostitutas com genitais à mostra e apertava e fazia outras coisas com os peitos das moças, diante do delírio do público que compareceu. Ninguém via nada demais na exposição e humilhação da puta amordaçada nua.

Vestido de irmão metralha, o cafetão foi aplaudido, festejado e endeusado. O roteiro era coisa que deixaria Nero e seus bacanais com inveja. E o mais inacreditável: Na fachada do puteiro, foram expostos dois banners, desses produzidos em bom papel e alta definição. Um era um retrato do juiz Sérgio Moro e o outro um retrato da presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, como os heróis homenageados. Em tempos de redes sociais e de imagens viralizadas, as tentações das metáforas, dos memes e das associações são infindáveis. Há quem não tenha resistido a associar a imagem da ministra a uma Jacutinga com colar de pérolas, numa referência à ave sombria e à impagável personagem de Fernanda Montenegro, na novela Renascer.

Putaria
Agora, digam: onde, no mundo, senão no Brasil, a extrema-direita, que sempre fala em nome de uma suposta família cristã e dos tais bons costumes, a ponto de censurar e fechar exposições culturais em museus, convida para uma festa no puteiro, exibe as genitálias das putas no meio da rua e tem como patronos homenageados juristas do primeiro escalão brasileiro? E, ao mesmo tempo, onde mais a esquerda, sempre definida como um grupo de ateus comunistas que comem criancinhas, fica de olhos vidrados em um bispo católico que, em cima de um caminhão, celebra uma missa em São Bernardo do Campo?

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E o surrealismo não para aí: depois da festa, o empresário do sexo não para de receber elogios de artistas, dirigentes políticos e profissionais liberais, que o elogiam por ser um homem de palavra e pedem nas redes sua candidatura a presidente ou a, pelo menos, deputado federal.

E quem duvida do seu potencial eleitoral, inclusive com o voto dos arautos da preservação dos valores familiares, em nome dos quais cancelam exposições de arte e retiram peças de cartaz?

Viva a hipocrisia, a contradição e a putaria. Da soma disso é feito o Brasil.

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