No Vi O Mundo, por Conceição Lemes – Na última quarta-feira (18/04), a desembargadora Marília de Castro Neves postou no Facebook um pedido de desculpas (na íntegra, ao final) à vereadora Marielle Franco (Psol-RJ), ao deputado federal Jean Wyllys (Psol-RJ) e a Débora Araújo Seabra de Moura, a primeira professora brasileira portadora da síndrome de Down.
A mensagem tem 2.353 caracteres com espaço, distribuídos em 37 linhas.
É dirigida a Débora, a quem magistrada, num grupo fechado dessa rede social, ofendeu, questionando a capacidade de alguém com Down dar aulas.
No finzinho, em apenas 579 caracteres com espaço (representam 24% do texto), a magistrada “aproveita o ensejo para também se desculpar” com os dois psolistas.
Marielle foi executada em 14 de março, no Rio de Janeiro.
Horas depois, a desembargadora acusou-a, em mensagem aberta no Facebook, de “estar engajada com bandidos” e de ter sido “eleita pelo Comando Vermelho”. Afirmou ainda que Marielle “provou o remédio que receitava”.
No mesmo perfil, em 29 de dezembro de 2015, a desembargadora pediu um “paredão” para matar Jean Wyllys.
Entre a calúnia a Marielle e o pedido de desculpas à memória da vereadora cruelmente assassinada se passaram 32 dias.
Marília de Castro Neves não é nenhuma jovem desinformada.
Ela é desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
Foi nomeada pelo quinto constitucional, quando seu ex-marido, Marfan Martins Vieira, era procurador-geral de Justiça do Rio de Janeiro, ou seja, chefe de todo o Ministério Público fluminense.
Antes, Marília foi promotora e chegou a procuradora de Justiça.
Pertenceu, portanto, ao Ministério Público, cuja função institucional é defender os direitos difusos e coletivos.
Logo, teria a obrigação de zelar pelos direitos humanos e combater preconceitos de toda a natureza.
Mas fez o oposto ao caluniar Marielle, desdenhar e debochar de Débora e colocar em risco a vida de Jean Wyllys, já que sua mensagem é incentivo para alguém assassiná-lo.
A desembargadora é reincidente.
Diante desse histórico, 32 dias, convenhamos, é um tempão para se desculpar.
Por que só agora?
Há duas hipóteses, uma não exclui a outra.
Uma delas: o pedido de desculpas é apenas para inglês ver; faz parte da sua estratégia de defesa.
A outra hipótese que pode tê-la “estimulado” a pedir desculpas são notas na imprensa nos últimos 15 dias, informando a existência de uma “operação abafa”.
O Globo revelou que há pressão para que o procedimento instaurado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) contra a desembargadora seja arquivado e tudo acabe em pizza.
Segundo fontes do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, muitos desembargadores pedem pela colega ao corregedor estadual, que é candidato a presidente do Tribunal de Justiça fluminense. O corregedor depende dos votos deles se quiser se eleger.
Em 15 de abril, o jornalista Lauro Jardim, em sua coluna em O Globo, revelou que já existem cinco procedimentos contra a desembargadora no CNJ; o mais avançado está na corregedoria, que já lhe pediu informações.
O CNJ, aliás, também demorou para se manifestar.
Foi só em 20 de março, após o Psol e a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) entrarem com representação no órgão contra a magistrada por postagens sobre Marielle e a professora Débora.
Ou seja, quatro dias após as denúncias sobre a conduta da desembargadora Maria de Castro Neves terem ganhado espaço em toda a imprensa.
Em nota assinada pelo corregedor nacional de Justiça, ministro João Otávio de Noronha, determinou a abertura de Pedido de Providências para averiguar o caso.
— Em termos objetivos o que significa “pedido de providências”? – perguntei então a um juiz, que não quis falar abertamente, pois a Lei Orgânica da Magistratura Nacional proíbe a manifestação sobre processos pendentes de outros magistrados ou órgãos.
— Um caso como este da desembargadora pode não dar em nada, mas se quiserem me processar por me manifestar e por repudiar a morosidade com que o corregedor do CNJ atua, certamente me pegariam. Por isso não me manifesto publicamente.
— Que tipo de pena a desembargadora está sujeita? – acrescentei.
A resposta do juiz é surpreendente:
— O pedido de providência (PP) não tem a finalidade de apuração de faltas funcionais, nem se destina a instauração de procedimento administrativo disciplinar.
— De acordo com o regimento interno do CNJ, a finalidade dos processos autuados como “Pedido de Providências” é outra.
Diz o artigo 98 do Regimento interno do CNJ:
“as propostas e sugestões tendentes à melhoria da eficiência e eficácia do Poder Judiciário bem como todo e qualquer expediente que não tenha classificação específica nem seja acessório ou incidente serão incluídos na classe de pedido de providências, cabendo ao Plenário do CNJ ou ao Corregedor Nacional de Justiça, conforme a respectiva competência, o seu conhecimento e julgamento”.
Os artigos seguintes têm a seguinte redação:
“Art. 99. Em caso de risco de prejuízo iminente ou de grave repercussão, o Plenário do CNJ, o Presidente, o Corregedor Nacional ou o Relator poderão, no âmbito de sua competência e motivadamente, adotar providências acauteladoras sem a prévia manifestação da autoridade, observados os limites legais. Parágrafo único. Quando a medida cautelar for deferida pelo Relator, será submetida a referendo do Plenário na primeira sessão ordinária seguinte.
“Art. 100. O expediente será autuado e distribuído a um Relator, que poderá determinar a realização de diligências, audiências públicas, consultas públicas e solicitar esclarecimentos indispensáveis à análise do requerimento.
“§ 1º Atendidos os requisitos mínimos, e sendo o caso, o Relator solicitará a sua inclusão na pauta de julgamento.
“§ 2º A execução do pedido de providências acolhido pelo Plenário será realizada por determinação do Presidente do CNJ e pelo Corregedor Nacional de Justiça nos casos de sua competência”.
Traduzindo: as representações contra a desembargadora não se tratam de propostas para melhorar o Judiciário. Nem são acessórias. Elas dizem respeito a graves denúncias sobre o comportamento da magistrada.
— Qual seria então o procedimento adequado para este caso? – questiono.
O corregedor nacional de Justiça poderia ter instaurado uma sindicância.
Ou ter protocolado o requerimento do Psol, da família da vereadora executada e da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) como reclamação disciplinar ou como procedimento administrativo disciplinar (PAD).
–Mas, pedido de providência é fora do contexto. Inócuo. Não vai levar a nada – avisa o juiz.
— É um erro?
— Faz-se dessa forma para que não produza os efeitos devidos.
Nas proximidades do CNJ não há pizzaria. Mas, quem passar por lá para saber o que está sendo feito no caso Marielle, vai sentir cheiro de pizza, isso vai!