Meu nome é Aton Fon Filho. Em 1974, abril, eu estava preso na Ilha Grande. No dia 23, fui levado para o Presídio Hélio Gomes, no Rio de Janeiro e, no dia 24, para a PE da Barão de Mesquita.
No dia 25, fui trazido para São Paulo e, já à noite, levado para o quartel da PE na Abílio Soares, onde fiquei isolado numa cela no corredor dos presos, que estava vazio. Ficou claro que o contato comigo era proibido e até para entrega das refeições vinha até a cela o sargento comandante da guarda acompanhado de outros praças.
No final da manhã, houve uma discussão sobre a limpeza do corredor e das celas e um grupo de soldados entrou no corredor. Na passagem, um deles jogou uma laranja dentro de minha cela, sem que eu pudesse ver quem fora.
Eles saíram e tornaram a entrar no corredor das celas carregando baldes, vassouras e esfregões. Na passagem — e, de novo, sem que eu visse quem o fazia — outra laranja foi jogada na cela e um pão em cima da cama.
Terminada a lavagem, eles foram se retirando enquanto um deles, um cabo, fazia a vistoria do trabalho realizado.
Ao passar em frente da cela em que eu estava, esse cabo, um jovem, se aproximou e me perguntou se o pão tinha caído no chão. Eu respondi que não, que tinha caído na cama e agradeci pelas laranjas e pelo pão.
Aí esse rapaz, esse cabo, me perguntou se eu tinha visto o que tinha acontecido em Portugal. Eu disse que não e ele explicou:
“Esse povo de vocês, de lá, ontem derrubou o governo, um ditador que tinha lá.”
Foi só o que eu soube do 25 de abril, no dia 26 de abril, graças à solidariedade de um jovem cabo que escamoteou para minha cela e me deu de presente duas laranjas, um pão e a certeza de que as mais ferozes ditaduras podem ser derrubadas.
FOTO DO PRESÍDIO DE BARRO BRANCO:
Em pé – da esquerda pra direita: Ariston Lucena, Gilberto Beloque, Paulo Vanucchi, Genoino, Mané Cirilo. Sentados: Oséas Duarte, Aton Fon, Reinaldo Mourano, Celso Horta, Hamilton Pereira.