Acontece que os shows nunca foram sua atividade favorita: já tinham feito milhares durante os anos 60, quando integravam grupos populares de pop, coletivos de folk e orquestras de dansbandmusik. Como ABBA, pareciam bons e apresentavam montagens vistosas, mas, na verdade, não precisavam da legitimação do show ao vivo.
Além disso, a idade pesa. Com exceção de Anni-Frid Lyngstad (1950), pertencem à geração dos Beatles: nasceram durante a Segunda Guerra Mundial ou nos meses seguintes. Na realidade, o ABBA funcionou essencialmente como um grupo de estúdio, com um traço de cientistas de laboratório. Eram assinantes de um serviço da revista Billboard que lhes enviava toda semana os discos nas listas dos Estados Unidos; cada um deles era analisado em busca dos elementos inusitados que poderiam assimilar e incorporar às suas gravações. Evitavam, claro, os plágios, que haviam sujado a reputação de Stig Anderson, seu descobridor e colaborador ocasional nas letras do ABBA.
O grupo se antecipou a seu tempo com a utilização de videoclipes, o que em boa parte evitou o desgaste das viagens promocionais. O fato de morarem na Suéciatambém os ajudou a viver discretamente seus traumas particulares, como a ruptura dos dois casamentos que constituíam o quarteto: Björn Ulvaeus e Agnetha Fälkstog, Benny Andersson e Anni-Frid Lyngstad. Não lhes interessava conectar vida e arte: costumavam negar que o que constituía possivelmente o ponto máximo de seu cancioneiro, The Winner Takes it All, fosse uma reflexão sobre seus divórcios.
Escaparam da banalidade do estrelato graças às bem-aventuradas peculiaridades da sociedade sueca. Não foram fraudados pela indústria fonográfica: ao contrário do habitual, Stig Anderson, seu empresário, os transformou em sócios de sua empresa, a Polar Music. Pagaram sem chiar altos impostos exigidos pelo Estado de bem-estar, à maneira escandinava: não tinham, que se saiba, vícios caros ou manias de novos ricos.
Há muitas especulações sobre o motivo da ruptura: pode ser que fosse algo tão comum como o tédio. Sabiam que dominavam a (mutável) fórmula do sucesso mundial, mas ansiavam por novos desafios: Björn e Benny se juntaram ao letrista britânico Tim Rice, antigo parceiro de Andrew Lloyd Webber, para produzir o musical Chess, inspirado nos enfrentamentos entre enxadristas soviéticos e norte-americanos com o pano de fundo da Guerra Fria. Foi um sucesso e os animou a fazerem sozinhos Kristina fran Duvemala, uma obra mais local, que narra os dramas da emigração sueca para os Estados Unidos.
Por sua vez, tanto Agnetha como Anni-Frid iniciaram carreiras solo, trabalhando em inglês com produtores estrangeiros (Phil Collins, Steve Lillywhite, Peter Cetera, Eric Stewart) e gravando ocasionalmente em sueco. Apesar de terem obtido impacto considerável na Europa, não parecem sentir a necessidade de figurar na linha de frente.
Tanto elas como eles viram com deleite a revalorização do ABBA, que passaram da consideração de “prazer culpado” para serem assumidos como grandes criadores, sem necessidade de recorrer aos filtros da ironia. Encarnam até um discurso de tolerância gay, graças a filmes como Priscilla, a Rainha do Deserto.Em 2010, entraram para o Rock & Roll Hall of Fame, instituição norte-americana altamente seletiva.
Na época, porém, sua renda se havia multiplicado em decorrência do musical Mamma Mia!, llevado depois ao cinema. Embora Benny Andersson tenha declarado que não via a “necessidade de fazer uma sequela”, isso é precisamente o que a Universal Pictures está preparando.
Não sofram por eles. Entraram em acordo com Simon Fuller, talvez o principal negociante do pop britânico, para tirar rendimento extra do catálogo e da marca ABBA. Não custa muito adivinhar sua mão por trás de notícias como a de sua reaparição discográfica.
Já sabemos que, por uma questão de neutralidade, a Suécia desempenhou um papel penoso na Segunda Guerra Mundial: além de alimentar a maquinaria bélica alemã com seus recursos naturais e industriais, permitiu a passagem de tropas do Terceiro Reich. Assim que se vislumbrou quem ganharia a guerra, o país se americanizou a passo forçado. Isso talvez ajude a explicar a assombrosa paixão sueca pela música norte-americana. Tem até mesmo algo de Parque Jurássico: quase todos os gêneros Made in USA sobrevivem na Suécia, com praticantes locais ou norte-americanos que encontraram ali um novo lar.
A educação musical gratuita garante que a Suécia disponha de uma extraordinária reserva de instrumentistas e cantores perfeitamente instruídos e bilíngues, aptos para atuar em nível local ou internacional. Coexiste uma saudável cena pop em sueco com um grande número de grupos e solistas cujo destino final é a exportação. Dos primeiros pouco sabemos, mas lembramos dos que seguiram os rastros do ABBA: pensem no Europe, Ace of Base, Roxette, os Cardigans, Robyn, Swedish House Mafia e no recém-falecido falecido Avicii.
O cosmopolitismo sueco lhes permite até vender seu know how aos norte-americanos. O produtor e compositor Max Martin está por trás de numerosos sucessos interpretados por artistas tão diversos como Britney Spears, Backstreet Boys, Taylor Swift, Katy Perry e Maroon 5. Dentro do pop de amplo espectro, que requer a colaboração de vários especialistas, Martin e seus epígonos conseguiram uma sensibilidade global que, sim, lembra muito os acertos de Björn e Benny. Era certo que Max Martin receberia o prêmio Polar, o equivalente musical ao Nobel, financiado esplendidamente (cada premiado recebe um milhão de coroas suecas) pelo falecido Stig Anderson com o dinheiro gerado pelo ABBA.