“E então, cadê o meu prêmio?”, pergunta o “cidadão de bem”, depois de executar quem estava diante de uma barraca de tiro-ao-alvo.
No Balaio do Ricardo Ktoscho – No meio deste feriadão de 1º de maio, quem melhor resume o atual momento da tragédia brasileira é o chargista João Montanaro, na página de opinião da Folha.
Vocês já devem ter reparado na profusão dos autodenominados “cidadãos de bem” que se multiplicam nas redes sociais e nas colunas dos jornais, e que também se intitulam “brasileiros decentes”.
São bolsonaristas militantes, agroboys furiosos, emebeeles da “escola sem partido”, tucanos xiitas que ficaram órfãos, adoradores de patos amarelos e de camisas da CBF, senhoras histéricas, motoqueiros com o escapamento aberto, atores de pornochanchadas e roqueiros decadentes, uma fauna variada que perdeu a modéstia e tomou conta do palco do grande hospício nacional.
Eram até outro dia apenas tipos folclóricos que batiam panelas e desfilavam com babás e cachorros pelas avenidas de olho nas câmeras de TV, mas agora se tornaram meliantes perigosos.
De uns tempos para cá, resolveram argumentar com tiros de 9 mm, na certeza da impunidade garantida pelas chamadas autoridades constituídas.
Formam milícias patrióticas contra a “ameaça comunista”, em defesa da família e da propriedade.
Quem os nomeou para exercer estes mandatos?
Gostaria de saber também o que acham deles os auditores da Receita Federal responsáveis pela malha fina, os seus colegas de trabalho, seus familiares e vizinhos.
Serão mesmo na vida real, estes cidadãos acima de qualquer suspeita, heróis da moralidade num país de corruptos?
Pelo que conheço de alguns deles, a imagem pública que querem aparentar não corresponde à vida privada.
Para estes beatos, sonegar não é crime, embora este seja o tipo de corrupção mais praticado desde sempre pelos arautos da moralidade.
“Não vou mesmo dar meu dinheiro para este governo sustentar vagabundos do Bolsa Família com meus impostos”, costumam argumentar.
A internet os tirou do anonimato dos pijamas e das saunas dos clubes elegantes, e os promoveu a cruzados em busca de seguidores tão fanáticos quanto eles.
Na falta de partidos, criam seitas que têm suas próprias leis e avançam celeremente sobre os direitos dos outros, tratados como inimigos de classe.
Por falar nisso, a quantas andam as investigações sobre o fuzilamento da vereadora Marielle e do motorista Anderson, no Rio, e dos atentados a bala praticados no Paraná?
Quantos mais precisam morrer para que a pátria amada (não confundir com pátria armada) tome uma providência enquanto é tempo?
Chegamos a um ponto de insanidade em que devemos temer não só os bandidos juramentados, as milícias e as polícias, mas agora igualmente a ameaça dos “cidadãos de bem” e seus exércitos cibernéticos.
Vida que segue.