No Balaio do Kotscho
Recebi do leitor Heraldo Campos a seguinte mensagem sobre o post anterior:
“Prezado Kotscho: Acho que o Brasil não tá em ponto morto, não. Tá é na banguela e ladeira abaixo, mas, mesmo assim, “A esperança tem duas filhas lindas, a indignação e a coragem; a indignação nos ensina a não aceitar as coisas como estão; a coragem, a mudá-las” (Santo Agostinho).
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A frase do santo enviada pelo leitor renovou minhas esperanças, mas durou pouco.
Ao abrir o computador, dou de cara com uma pequena nota no portal do jornal O Globo, que escracha o patrimonialismo triunfante na sociedade brasileira do andar de cima das corporações.
Na coluna “Poder em Jogo”, assinada por Lydia Medeiros, sob o título “Sertanejo Jurídico”, lê-se:
“A dupla sertaneja Maiara e Maraisa vai embalar o encerramento do 23º Congresso de Magistrados Brasileiros, organizado pela AMB, em Maceió.
O evento é patrocinado por uma associação de cartórios (Anoreg/BR), pela Qualicorp, operadora de planos de saúde, e por duas estatais, a Caixa Econômica Federal e a Itaipu Binacional”.
Estranhei a presença dos cartórios, uma jabuticaba patrimonialista brasileira que vem de tempos imperiais, e fui ao Google para saber o que é Anoreg/BR.
Está lá, naquela linguagem pomposa dos cartorários:
“Fundada em 04 do mês de maio de 1984, com sede na cidade de Brasília-DF, então ainda sob a denominação de Associação dos Titulares das Serventias Extrajudiciais do Brasil (ATEB), com intuito não econômico, passou a denominar-se Associação dos Notários e Registradores do Brasil (ANOREG-BR), em 22 de novembro do ano de 1994, após a promulgação da Lei nº 8935 de 18 de novembro de 1994, que regulamentou o artigo 236 da Constituição Federal. É regida pelo Código Civil brasileiro, pelas demais disposições legais aplicáveis e pelo Estatuto”.
Entenderam? Parece até voto de ministro do STF. Gostei do detalhe: “com intuito não econômico”. Se não é econômico, ou seja, gerar mais renda para seus associados, então qual é o intuito? Alguma ação social de benemerência?
Quem já precisou registrar qualquer documento em cartório sabe do que estou falando. É uma fábrica vitalícia de dinheiro.
Como cabe aos nobres magistrados, em diferentes instâncias, julgar ações envolvendo cartórios, planos de saúde e estatais, pode-se perguntar: o que eles têm a ver com o Congresso da AMB?
Talvez se encontre a resposta no vídeo promocional enviado aos participantes, em que as irmãs sertanejas Maiara e Maraisa cantam a música “Quem ensinou fui eu”:
“Se ele te beija gostoso/
Dá um amasso/
Quem ensinou fui eu/
Se ele faz a noite inteira/
Pede pra falar besteira/
Quem ensinou fui eu/
Quem ensinou fui eu”.
Santo Agostinho que me perdoe, mas tá difícil manter a esperança de vivermos um dia num país decente e justo. Haja indignação e coragem.
Vida que segue.