Destinação de 30% do Fundo Eleitoral não é clara, e mulheres temem concentração
SÃO PAULO — A destinação de 30% do Fundo Eleitoral para o financiamento de campanhas femininas deve esbarrar na falta de critérios claros e de punições para quem descumprir a resolução publicada em maio pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O temor de dirigentes partidários e de procuradores eleitorais é que, assim como outras regras criadas para aumentar a participação de mulheres na política, esta também não apresente resultados. Algumas siglas já estão se mobilizando para barrar a validade da resolução na Justiça.
Além da falta de punição para quem descumprir a resolução, alas femininas dos partidos questionam como será a divisão dos 30% do fundo eleitoral destinados por lei às mulheres. O receio é que o dinheiro fique concentrado nas campanhas que têm mais chance de se eleger, o que dificultaria a renovação dos quadros. Também gera preocupação o fato de que falta participação feminina nas instâncias que vão decidir como aplicar o dinheiro, as executivas nacionais dos partidos.
— Pela regra, quem decide são as executivas nacionais de cada partido (e não seu setorial feminino), o que facilita a disparidade: irão investir em mulheres já com muita chance de serem eleitas, nas que tiverem alguma ligação com a executiva ou aquelas que beneficiarem diretamente a campanha de um homem — avalia Juliet Matos, coordenadora nacional de mulheres da Rede.
Em tentativa de reverter esse desvio, a senadora Lídice da Mata (PSB-BA) chegou a fazer uma consulta pública ao TSE em agosto do ano passado pedindo que diretórios de partidos fossem obrigados a ter cotas para mulheres nas suas instâncias internas, mas o caso ainda não foi julgado. PSOL e PT, por definições internas, reservam 50% para mulheres nas suas instâncias. O PCdoB, 30%. Os outros partidos não têm regras.
A falta de regras claras e de punições pode fazer com que os partidos cometam infrações. Desde 2009, a Justiça Eleitoral já exige ao menos 30% de mulheres nas chapas, o que gerou o fenômeno de candidaturas laranjas, a indicação de mulheres para determinados cargos apenas para cumprir a exigência formal.
Para impedir as candidaturas laranjas, o TSE irá incluir um veto a doações de mulheres que receberem dinheiro do fundo eleitoral para políticos homens.
O procurador regional eleitoral de São Paulo Luiz Carlos dos Santos Gonçalves avalia que no estado há muitas diferenças entre a forma como os partidos estão lidando com a nova resolução: enquanto alguns já incluíram as mulheres nas tomadas de decisão, outros não tomaram nenhuma providência.
— Esse Fundo Especial de Financiamento de Campanha foi criado sem nenhum tipo de direcionamento da utilização, não tem nenhum critério. Em tese, o partido pode colocar (tudo) em uma única candidata — diz Santos Gonçalves
Recentemente, o PP e o SD foram à Justiça para tentar suspender a resolução, argumentando que ela deveria valer só no ano seguinte à sua publicação.
Sobre a punição para quem descumprir a resolução, o TSE respondeu ao GLOBO que um “dispositivo específico sobre a nova determinação ainda será publicado, contendo todas as regras”, mas não especificou quando.
Julia Martin, 29, que se candidatará pela primeira vez neste ano pelo PT, diz que batalha internamente para que os recursos privilegiem candidatas novas:
— Até entre nós mulheres do mesmo partido existe um debate sobre qual o critério que será usado para a distribuição desses valores — diz Julia.
Já a presidente do PSDB Mulher e deputada federal Yeda Crusis (PSDB-RS) diz que os tucanos estabeleceram como meta dobrar o número de filiadas eleitas em todo o país, que hoje é de sete deputadas federais e 12 estaduais, e que o partido tem cursos de capacitação para 250 pré-candidatas.
— Houve uma surpresa muito grande quando viram que era para valer, que não era só um desejo, mas um requisito dos tribunais.
*Estagiário sob a supervisão de Flávio Freire