Canal direto aproxima eleitor de autoridades que prometem mandato compartilhado. Ferramentas criadas para acompanhamento político também ajudam a mostram quais candidatos estão disponíveis
No El País
O professor universitário Leonardo Secchi promete dividir sua cadeira na Assembleia Legislativa de Santa Catarina com 1.000 pessoas caso venha a ser eleito em outubro. Cerca de 500 eleitores já se envolveram no projeto de CoDeputado apresentado como plataforma de campanha pelo pré-candidato do PSB. “É como uma participação acionária no mandato”, resume Secchi, que estabeleceu sete princípios básicos para a participação e, baseado neles, excluiu da plataforma dois colaboradores que defenderam em suas redes sociais uma intervenção militar durante a paralisação dos caminhoneiros. O modelo de mandato compartilhado por aplicativo vem sendo testado desde 2017 por pelo menos cinco vereadores de Minas Gerais, São Paulo e Santa Catarina e é apenas uma demonstração de como a tecnologia vem influenciando a política no Brasil.
O vereador Gabriel Azevedo (PHS), de Belo Horizonte, é pioneiro na utilização de aplicativos. Ele diz que mudou o voto três vezes por conta da indicação de seus eleitores no dispositivo Meu Vereador. “A primeira vez foi na votação sobre o dia de conscientização do lúpus ou algo assim, e as pessoas votaram mais ‘não’ do que ‘sim’. Eles foram no meu Facebook justificar: ‘a gente acha que a Câmara não deve ficar criando data comemorativa’. Agora, quando alguém propõe data, eu já voto não”, conta. Gabriel também seguiu seus eleitores na votação do aumento de 10% do salário dos servidores da Câmara de Belo Horizonte. “Eles estavam há cinco anos sem aumento e eu imaginei que o reajuste estava dentro dos conformes, mas 90% dos eleitores votaram contra”. O reajuste acabou aprovado, mas sem o voto de Gabriel — ele reconhece que o sistema só funciona porque ele atua de forma independente, sem seguir orientações partidárias.
Segundo o vereador, a última enquete contou com a participação de 5.633 pessoas. Por meio do smartphone ainda é possível chamar atenção para problemas em seu bairro e fazer reivindicações. A ferramenta serviu de modelo para o aplicativo Nosso Mandato, desenvolvido pelo Instituto de Inteligência Política e utilizado por vereadores como Rodrigo Coelho (PSB, Joinville) e Janaína Lima (Novo, São Paulo). Os parlamentares que ainda não estão tão conectados assim aos eleitores podem ser monitorados por outras plataformas, como o aplicativo Monitora, Brasil, que permite comparar quanto e como cada senador gastou da verba de gabinete ou quantas vezes um deputado faltou a sessões. O jogo Super Cidadão, uma espécie de Super Trunfo, também põe o desempenho dos parlamentares em perspectiva, por projetos apresentados ou emendas liberadas, entre outros.
Outra forma de se informar sobre os políticos que pedem seu voto é baixar o plug-in Vigie Aqui, que identifica pelo nome, em seu navegador, com uma tarja roxa os políticos que enfrentam problemas na Justiça. O dispositivo desenvolvido pelo Instituto Reclame Aqui ganhou recentemente uma versão em aplicativo chamada Detector de Ficha de Político, que permite ao eleitor tirar a foto de um santinho ou de um outdoor e receber informações sobre o status jurídico do candidato. Segundo Maurício Vargas, presidente do Instituto Reclame Aqui, o aplicativo já foi baixado mais de 1 milhão de vezes e conta com 900 políticos cadastrados. “Nosso grande desafio é conseguir incluir os 7.000 candidatos até a eleição”, diz Vargas. Há cerca de 60 pessoas envolvidas na empreitada, entre contratados e voluntários.
O levantamento de dados envolve um grande esforço dos responsáveis pela ferramenta, porque nem todos os tribunais do país têm informações disponíveis na internet. “No Espírito Santo, nós tivemos de mandar um advogado para buscar os processos, porque eles exigiam registro na OAB [Ordem dos Advogados do Brasil]. Também tivemos dificuldade no Piauí”, conta Vargas, que celebra o interesse de entidades de países como Estados Unidos, Portugal, Colômbia e Japão na ferramenta.
Foi com o mesmo espírito cívico que Eduardo Vogel começou a desenvolver junto com Renan Barreto, Robson Carmo e Marcus Paone a ferramenta NoFaro no último Hack in Sampa, promovido em julho pela Câmara Municipal de São Paulo. O grupo, formado de improviso, venceu a disputa com um aplicativo que promete mapear obras públicas pela cidade ao estilo Foursquare e oferecer informações sobre o quanto foi gasto — e durante quanto tempo — na construção. O segundo colocado na disputa foi o projeto PrevineAê, que pretende disponibilizar dados sobre o andamento de obras públicas por meio da aplicação de QR Codes nas placas informativas.
Vogel, que é coordenador de desenvolvimento em uma empresa de investimento, pretende finalizar o NoFaro em seis meses e busca apoio para complementar o financiamento do projeto — o primeiro lugar rendeu 10.000 reais ao grupo e um semestre de incubação no Eureka Coworking com ajuda de custo mensal de 1.000 reais. Outro desafio é coletar os dados para abastecer a ferramenta. “Os documentos públicos são uma caixa de Pandora. Não tem padrão, parece feito para confundir, desencorajar a pesquisa”, lamenta o programador, que também se diz atento à “gamificação” do aplicativo “para trazer uma experiência bacana de usuário”.
Jogos
Para além de ferramentas de acompanhamento e fiscalização, os programadores brasileiros também têm usado jogos para fazer críticas políticas ou chamar atenção para seus trabalhos. Em SOS SUS, o jogador deve ajudar o Sistema Único de Saúde a obter recursos, “só cuidado com os desvios do Pixuleco”, alerta a discrição do jogo. Em “Corra, Companheiro”, um personagem alusivo ao ex-presidente Lula tenta escapar de policiais e desviar de coxinhas. Ao pegar a “super estrela”, uma estrela vermelha, é protegido pelo “povo”, que retarda os agentes da lei. Em Bolsomito, o deputado federal e pré-candidato à presidência Jair Bolsonaro (PSL-RJ) precisa desviar de desafetos, como o deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ). Em Run Dilma, a ex-presidenta Dilma Rousseff pula adversários como o deputado cassado Eduardo Cunha — o mesmo criador desenvolveu Mr. Trust, em que Cunha precisa pular personagens como o “mordomo golpista” e “Gilpraia” para avançar.
Um dos criadores do jogo Fuga do Planalto, Roberto Fuhrmeister pensou na sátira política como forma de popularizar seu estúdio. “Ao mesmo tempo, a gente não queria tirar o caráter de críticas política do jogo”, diz Fuhrmeister, que tomou o cuidado de equilibrar os alvos. O jogador compra um político — “o honesto”, “o fiel escudeiro”, “a oradora”, “o inocente” — e tenta escapar com ele de um policial federal enquanto desvia de juízes, jornalistas e poças de lama. O aplicativo foi baixado 30.000 vezes. “Como a maioria dos cidadãos, a gente se sente frustrado, impotente. Todo mundo briga, esquerda, direita, e o país vai se degradando. Apesar de esse jogo não ter nos dado nenhum centavo, foi um projeto muito bem avaliado e, pelos comentários na loja, deu para perceber que as pessoas se sentiram representadas”.