Candidato de extrema-direita teve 46,7% dos votos contra 28,3% do petista e entra com ampla vantagem no segundo turno para se tornar o próximo presidente do Brasil
No El país, por CARLA JIMÉNEZ
O Brasil fecha o primeiro turno das eleições de 2018 com a polarização aguda entre o candidato de extrema direita Jair Bolsonaro, em franca vantagem com 46,7% dos votos válidos, e o petista Fernando Haddad, com 28,3%, que defende o legado do ex-presidente Lula. É água e óleo no Brasil de hoje. Fácil esperar sobressaltos até o próximo dia 27, quando o país viverá o segundo turno e definirá o 41 presidente da República depois de uma das eleições mais emocionantes da história democrática. Ciro Gomes, do PDT, ficou em um honroso terceiro com 12,5%, à frente do governador licenciado de São Paulo, Geraldo Alckmin, que fechou esta eleição com 4,8% das votos e personifica a derrota fragorosa de seu partido. Marina Silva, que prometia desempenho de outrora, saiu com mirrados 2%.
Militar reformado e deputado federal por quase três décadas, Bolsonaro chegou à reta final da campanha experimentando o sabor de quem já é vitorioso com mais de 49 milhões de votos, anunciando uma onda conservadora que deve pautar o país. Na última semana, reforçou seus apoios a despeito de toda a resistência a seu nome. Nem a marcha #Elenão foi capaz de deter sua ascensão. Mais do que isso. Nesta eleição, experimentou o dom do toque de Midas restrito a poucos do olimpo político – Lula, por exemplo. Os candidatos ungidos pelo candidato do PSL tiveram votação espantosa. Seu filho Flavio foi o mais votado para o Senado pelo Rio de Janeiro, e Eduardo, por São Paulo, foi o deputado federal mais votado da história do país.
Bolsonaro pai, parlamentar do chamado baixo claro da Câmara, pavimenta assim seu caminho para a presidência da República numa jornada avassaladora e surpreendente, onde até uma tragédia durante a campanha eleitoral virou golpe de sorte para o candidato. Um militante contrário ao seu nome se infiltrou entre a multidão que ovacionava o candidato em Juiz de Fora (MG) e o atacou com uma faca no dia 6 de setembro. O atentado, que atingiu o intestino de Bolsonaro, quase lhe custou a vida. Ficou internado por 23 dias, boa parte do tempo na UTI. Mesmo fragilizado, gravou vídeos para a sua campanha de dentro do hospital, e manteve a comunicação unidirecional pelas redes sociais com seus seguidores. Tirou partido como nunca da comunicação por Whastapp, fonte de informação de quase 70% de seus eleitores, que alimenta diariamente seus seguidores com centenas de notícias a favor do candidato e contra seus adversários. Foi para eles que Bolsonaro concedeu as primeiras declarações depois de saber que estava no segundo turno, por meio de uma Live no Facebook.
Havia a expectativa de uma coletiva do candidato no Rio, convocada pelo PSL. Os jornalistas foram submetidos a duas revistas e tiveram todas as bolsas e equipamentos longamente revistados para entrar no hotel Windsor da Barra, onde o encontro com o presidenciável estava marcado. Mas lá estava Bolsonaro anunciando aos milhões de eleitores que estava pronto para vencer via conversa pelo Facebook, a despeito da expectativa do presidente do partido, Gustavo Bebbiano, de que ele iria aparecer para falar com a imprensa. “Temos como mudar destino do Brasil. Não podemos flertar com socialismo ou comunismo”, disse ele, que fez uma série de promessas aos seus seguidores no Facebook.
Seus planos ainda precisarão ser detalhados nesta segunda etapa da campanha. O acidente o obrigou a ficar fora dos debates, o que evitou o confronto direto com seus competidores e o poupou do questionamento de suas posições mais polêmicas, seja em relação a minorias, seja sobre as suas propostas para a economia, saúde e educação. Acabou ganhando exposição gratuita na mídia a cada boletim médico, e apareceu mais humanizado diante dos eleitores. Foi ganhando apoios públicos de políticos, empresários e de pastores evangélicos, como Edir Macedo, dono da Record, que lhe deu de presente uma entrevista de 30 minutos, exibida durante o último debate da rede Globo. Ali, apareceu em sua casa, atendido por um enfermeiro, e até com sua bolsa intestinal que precisou adotar depois do atentado. Uma imagem que suspendeu a fama de agressivo e violento que seus adversários tentaram colar nele durante toda a campanha.
Poucos dias antes da facada em Juiz de Fora, Bolsonaro havia chocado o país ao sugerir “fuzilar a petralhada” em um comício em Rio Branco, capital do Acre, e ao ensinar crianças a fazer o gesto de uma arma nas mãos. Até virar candidato oficialmente, soube fazer fama com seus comentários politicamente incorretos, e seu desprezo pela esquerda. Subiu nas pesquisas fomentando o antipetismo, e jogando bombas desestabilizadoras, como as suspeitas levantadas para as urnas eletrônicas – sem provas —, ou a ameaça de que não reconheceria o resultado se não fosse ele o vitorioso. Voltou atrás nesta última, mas o boato sobre as urnas foram fermentadas nas redes pelos seus filhos e amplificadas por seus seguidores.
Nesta segunda etapa, terá o mesmo tempo de propaganda que Haddad, e o candidato vai precisar vestir o uniforme de paz e amor para blindar sua votação e evitar que os votos dos adversários derrotados migrem para Haddad.
Já o petista deve encarar uma batalha de Sansão contra Golias, num dos contextos mais arriscados e desfavoráveis que seu partido já experimentou. Entrou na campanha oficialmente no dia 11 de setembro no lugar do ex-presidente Lula, preso desde abril em Curitiba. Até então, era Lula o candidato oficial do PT registrado no Tribunal Superior Eleitoral no dia 15 de agosto. Liderava as pesquisas eleitorais com quase 40% dos votos, mostrando que seu eleitorado estava mais órfão do que nunca diante de um quadro de economia arrochada para garantir o ajuste fiscal. No início de setembro, o tribunal barrou sua candidatura e Haddad assumiu a cabeça de chapa com Manuela D’Ávila (PCdoB) como vice.
Tem a seu favor um Nordeste fiel que reelegeu governadores petistas já no primeiro turno, como é o caso do Ceará, com Camilo Santana (79,5% dos votos), e da Bahia, com Rui Costa (75,9%). A memória do lulismo garantiu a Haddad uma transferência de votos em três semanas que o levou ao segundo turno. Passou de minguados 6% para 22% na reta final. Deve contar com o apoio de Ciro Gomes que logo após o resultado oficial, disse que tomaria suas posições logo, e não trairia sua história de luta pela defesa da democracia e contra o fascismo. “Só posso dizer que ele, não”, ironizou Ciro, em referência a Bolsonaro. “Queremos unir os democratas do Brasil, os que têm atenção aos mais pobres”, sinalizou.
Nos próximos vinte dias da campanha o tabuleiro no Brasil não colocará apenas um candidato contra o outro. Vai testar a união dos partidos de esquerda, mais progressistas, e a força da onda conservadora puxada por Bolsonaro que se alimentou até aqui pelo ódio ao PT. Agora, será a hora da verdade, onde os dois candidatos serão cobrados a dizer a que vieram e se vão resistir aos limites democráticos que o país vêm construindo há 30 anos. Ambos têm rejeição altíssima, e será um teste definitivo para saber quem terá capacidade de desarmar a bomba relógio que se instalou no país na guerra surda que a política embalou nos últimos anos. [Colaborou Felipe Betim]