Eleições 2018: o que o TSE está fazendo para combater mensagens falsas?

Eleições 2018: o que o TSE está fazendo para combater mensagens falsas?

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Da BBC News Brasil em Londres, por Juliana Gragnani – Na quinta-feira que antecedeu o fim de semana de votação no Brasil, um vídeo acusando fraude nas urnas foi extremamente difundido.

Teve 1,6 milhão de visualizações no YouTube e foi publicado diversas vezes em grupos de WhatsApp e no fórum Gab, rede social da alt-right (termo que se refere a “direita alternativa”, que reúne grupos de extrema-direita) americana que tem adeptos brasileiros apoiadores do candidato a presidente Jair Bolsonaro (PSL).

O vídeo, de um canal gaúcho chamado Brasil Paralelo, entrevista o procurador Hugo César Hoeschl, de Santa Catarina, que cita “estudos com reconhecimento internacional” que indicam “que a probabilidade de fraude na última eleição presidencial brasileira foi de 73,14%”, mas não especifica que estudos são esses.

Diante da disseminação desse vídeo, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) publicou uma resposta em seu site na sexta-feira, dizendo não haver registro “de que o autor do vídeo tenha participado de qualquer evento de auditoria e transparência, a exemplo dos testes públicos de segurança realizados pelo TSE e da apresentação dos códigos-fonte”.

Também afirmou que “há vinte e dois anos, as urnas eletrônicas têm sido utilizadas nas eleições brasileiras sem nenhuma comprovação efetiva de fraude. O resultado das Eleições Gerais de 2014 foi auditado de modo independente por iniciativa de partido político, sem que qualquer irregularidade fosse identificada”. A BBC News Brasil tentou contato com os donos do canal Brasil Paralelo e com o procurador, mas não obteve respostas.

 

No dia do pleito, no entanto, apesar de diversas acusações de fraude nas urnas, as ações do TSE foram mais tímidas. O tribunal apenas retuitou verificações de agências de checagem de notícias e do Tribunal Regional Eleitoral de Minas, que produziu um vídeo desmentindo uma acusação de fraude.

Questionada, a assessoria de imprensa do tribunal disse que as explicações sobre providências tomadas contra notícias falsas nas eleições foram expressadas pela presidente do tribunal, ministra Rosa Weber, em coletiva de imprensa no dia das eleições. O TRE de Minas disse que também não falaria sobre o tema de notícias falsas em geral.

Homem segura celular cuja tela exibe logo do WhatsAppDireito de imagemREUTERS
Image captionWhatsApp tem sido bastante usado para disseminar notícias falsas no período eleitoral

Disseminação e resposta

Os boatos de fraude nas urnas no dia das eleições começaram a circular naquele dia de manhã.

Nos atuais 350 grupos públicos de WhatsApp que o professor de Ciência da Computação Fabrício Benevenuto, da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), monitora por meio de seu sistema, um vídeo que mostrava uma urna que supostamente se “autocompletava” com o rosto do candidato presidencial Fernando Haddad (PT) quando o eleitor digitava o número “1” foi enviado por usuário em um grupo primeiro às 11:25.

Até as 16:12, três versões do mesmo vídeo haviam se espalhado por 29 grupos diferentes. Foi um dos conteúdos mais difundidos no WhatsApp naquele dia, se tomarmos como base o monitor da rede do grupo da UFMG (não se sabe o quão representativo é porque o número total de grupos públicos de WhatsApp no Brasil é desconhecido).

A acusação tomou maiores proporções quando o vídeo foi publicado de manhã no Twitter por Flavio Bolsonaro (PSL), filho do presidenciável Bolsonaro e naquele dia eleito senador do Rio.

Segundo levantamento da FGV-DAPP (Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas), seu tuíte teve mais de 17.050 compartilhamentos e foi “com folga” o mais “retuitado e influente do debate”, segundo análise da FGV. Para essa análise, o grupo levou em conta 3,5 milhões de tuítes e quase 3 milhões de retuítes sobre os candidatos à Presidência entre as 0h e 20h do domingo.

O tuíte de Flavio Bolsonaro foi apagado. “Mesmo que a explicação sobre a veracidade do vídeo não tenha sido clara, meu objetivo de alertar ao TSE foi atingido, logo, retirei a postagem do vídeo”, afirmou o agora senador eleito. O tuíte com o desmentido do TSE, às 13h36 daquele dia, teve só 1.554 retuítes.

O vídeo feito pela Coordenadoria de Comunicação Social do TRE de Minas no YouTube, também desbancando o boato, teve cerca de 800 mil visualizações. Agências de checagem de notícias e veículos de imprensa trabalharam tentando esclarecer as dúvidas.

Outros vídeos de supostas fraudes também circularam nas redes – e a narrativa tomou conta do dia de votação, respaldada pelos filhos de Bolsonaro e, mais tarde, pelo próprio candidato. De acordo com a FGV, foram 471,1 mil tuítes sobre fraude eleitoral entre 22h de domingo e 15h de terça, 9.

Para investigar casos específicos, os TREs têm que ser provocados pelos Ministérios Públicos ou partidos políticos. Questionado, o TSE informou à BBC News Brasil que não tem “conhecimento de nenhuma denúncia formal de fraude nas urnas” protocolada no tribunal.

Tuite de Flávio Bolsonaro
Image captionTuíte de Flavio Bolsonaro teve 17 mil compartilhamentos; após pronunciamento do TSE, ele tirou postagem do ar

‘Entendendo o fenômeno’

Na coletiva depois das eleições, a ministra Rosa Weber, presidente do TSE, disse que o tribunal está primeiro “entendendo o fenômeno” das notícias falsas, que não são “de fácil compreensão, de fácil prevenção”.

“E não é problema brasileiro. Mas o TSE está atento.”

Em sua fala, a ministra citou as ações conduzidas pelo tribunal contra notícias falsas:

– A criação de um conselho consultivo sobre internet e eleições, com atribuições para desenvolver pesquisas e estudos sobre as regras eleitorais e a influência da internet nas eleições

– Um acordo de colaboração feito com partidos, para evitar um ambiente eleitoral com disseminação de notícias falsas

– Um acordo com especialistas em marketing político para que colaborem com a corte para manter o ambiente imune da disseminação de notícias falsas

– Um seminário internacional sobre o tema

Além disso, disse que ministros do TSE examinam as representações que chegam ao tribunal que reclamam de propaganda eleitoral irregular e notícias falsas – antes das eleições, por exemplo, foi determinada a retirada de 35 conteúdos falsos ou ofensivos contra a candidatura de Haddad (33 publicações no Facebook e dois vídeos do YouTube).

O conselho citado pela ministra foi criado no ano passado. No entanto, reuniu-se apenas seis vezes desde então, segundo Thiago Tavares, representante da sociedade civil no conselho e presidente da ONG SaferNet. A última reunião foi em junho, há quatro meses. Além disso, diz ele, “muito da memória dos debates se perdeu” durante a transição entre gestões do TSE.

Tavares ressalta, contudo, que o TSE foi bem em seu “trabalho de articulação” e convencimento de partidos políticos que assinaram o termo de compromisso para a não difusão de notícias falsas.

Para ele, as instituições devem se esforçar para “detectar e coibir ações das fábricas de conteúdo falso”. “Existe, claramente, fábricas de ‘fake news’, atuação de fazendas de robôs e ‘clusters’ de chips de celular. E tem alguém pagando por isso”, diz.

Polícia Federal e Exército também estão no conselho.

Questionado pela BBC News Brasil, a Polícia Federal disse ter ministrado “cursos voltados à investigação de crimes eleitorais aos policiais federais que estão atuando durante o pleito”.

Mas há um impedimento para investigações por parte da PF: a produção de notícias falsas, por si só, não é crime. A PF só pode atuar quando houver algum crime na notícia falsa divulgada, como calúnia, difamação, injúria, falsidade ideológica, divulgação de fatos inverídicos na propaganda eleitoral, pesquisa eleitoral fraudulenta.

“O normal é que as supostas notícias falsas sejam encaminhadas para a Justiça Eleitoral, que realizará uma análise prévia e, entendendo haver elementos indicativos de crime, requisitará a instauração de inquérito à PF.”

Mulher vota em São PauloDireito de imagemAFP
Image captionConselho criado pelo TSE se reuniu seis vezes, segundo membro

Problemas e soluções

Para a pesquisadora britânica Claire Wardle, que estuda o tema, instituições e governo não devem agir em todos os casos. Mas ela defende a criação de uma “sala de guerra” para os casos de desinformação ligada à integridade das eleições – como o caso das acusações de fraude nas urnas.

“Nessas situações, o governo deveria desempenhar um papel ativo. E as plataformas também”, diz ela, sugerindo uma ação conjunta para desbancar as notícias falsas durante o dia do pleito. Para ela, esse tipo de desinformação é mais impactante porque ameaça diretamente a democracia.

Wardle é diretora de pesquisa do First Draft, laboratório ligado à Universidade Harvard, e uma das idealizadoras do Comprova, a coalizão de 24 veículos de imprensa criada para checar notícias falsas durante as eleições. Em dois meses, o grupo fez 106 verificações – 98 foram de notícias falsas.

Na avaliação de Tai Nalon, diretora da agência de checagem Aos Fatos, o TSE foi omisso no dia do pleito. “Muita coisa a gente não pode fazer por falta de informações. Tínhamos dificuldade de checar com TSE e TREs se as queixas de fraude foram formalizadas, ou seja, se virariam denúncia efetivamente.”

Ela sugere que o TSE deixasse plantonistas dedicados a desmentir ou orientar procedimentos sobre boatos, organizasse uma base de dados com o que foi formalmente denunciado e, terceiro, “efetivamente responda aos questionamentos de quem está combatendo notícias falsas”.

Uma análise detalhada e individualizada pelo TSE seria difícil de ser feita em larga escala num dia como aquele, observa Cristina Tardáguila, diretora da Agência Lupa, de checagem de notícias. Mas ela sugere que o TSE estimule os TREs a “terem formas de responder os checadores com presteza” ou até tenham times – “uma pessoa bastaria” – “para atuar em casos locais e verificar sobre um vídeo, urna, denúncia específica”.

“O TRE-MG foi rápido e eficiente ao colaborar com a Lupa para classificar como falso vídeo que mostrava uma urna que falsamente ‘autocompletava’ o 13. A pro-atividade do TRE-MG deveria servir de exemplo para os demais tribunais.”

Além disso, diz, é essencial que o site do TSE funcione – no dia do pleito, a página ficou fora do ar durante bastante tempo.

“Entendemos que é um dia muito tenso, e que a Justiça Eleitoral não está aí para trabalhar para os checadores. Mas era de se esperar que haveria muitas notícias falsas e que a suspeita de fraude viria à tona”, afirma Tardáguila.

Mas ressalta: “Ainda há três semanas para ajustarmos as coisas. Dá tempo suficiente para fazermos muitas coisas contra desinformação”.

*Colaborou Fernanda Odilla, de Londres

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