Faltou a Moro a dignidade histórica de Sobral Pinto

Faltou a Moro a dignidade histórica de Sobral Pinto

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Por Marcelo Auler – Assim como à mulher de César, como diz o velho ditado, não basta ser honesta, precisa parecer honesta, aos homens públicos em geral não basta serem coerentes e de boa reputação: precisam parece-los. O alerta, não por mera coincidência, vem à tona no momento em que o juiz Sérgio Fernando Moro aceita participar do governo Bolsonaro que, de forma direta para uns, ou ao menos indireta para muitos, ele ajudou a eleger.

Por melhores que sejam os propósitos de Moro na sua aparente disposição de sistematizar o combate à corrupção, o que ficará para o grande público após ele ter acelerado a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva – contribuindo para a inelegibilidade do mesmo – e, atropelado decisão de um desembargador para impedir a libertação do ex-presidente, é que fez um jogo já imaginando benefícios próprios. Isso já se verifica – acertada ou erradamente – nas redes sociais desde que o “sim” do juiz foi noticiado.

Moro, que há muito dedica-se ao direito criminal, se conhecesse experiências passadas de profissionais que se tornaram ícones não apenas na advocacia, mas no mundo Jurídico de uma maneira em geral, teria refletido sobre as consequências para a sua reputação. Provavelmente abriria mão do “convite”.

Bastava conhecer o exemplo de um dos papas da advocacia criminal do Brasil, o conservador católico Heráclito Fontoura Sobral Pinto (1893-1991). Ele, não só exerceu a profissão com dignidade ímpar, inclusive a defesa daqueles dos quais discordava politicamente – Luiz Carlos Preste, é um exemplo maior -, como acima de tudo manteve a coerência na sua vida diária. Cuidava de sua reputação, jamais contestada. Isto ficou ainda mais nítido, em 1956, ao recusar a vaga no Supremo Tribunal Federal (STF) oferecida pelo presidente recém eleito, Juscelino Kubitschek.

Recusa calcada no fato de, mesmo ligado à UDN – partido de oposição ao PSD de JK -, Sobral Pinto ter defendido, em 1955, o direito de o então governador mineiro candidatar-se à presidência. Rebelou-se contra seus próprios pares udenistas que davam força aos militares na pressão para impedir JK de concorrer. Foi quando o advogado criminalista, católico, conservador e udenista, criou a Liga de Defesa da Legalidade. Ela garantiu a eleição de JK, um dos governos mais comemorados.

O episódio, para o qual o Blog foi lembrado pelos advogados Luís Guilherme Vieira e Eny Raimundo Moreira – ela, uma confessa discípula de Sobral, com quem trabalhou durante anos no início de sua carreira – está descrito no livro de Márcio Scalércio – “Heráclito Fontoura Sobral Pinto, Toda a Liberdade é Íngreme” (FGV Editora).

Na descrição de Scalércio fica clara a preocupação do velho e respeitado jurista com a sua dignidade e reputação, depois de – democraticamente – defender a candidatura daquele que, como disse ao próprio JK, politicamente jamais apoiou:

Eu não fiz nada pelo senhor, fiz contra a petulância militar e para assegurar ao partido o direito de escolher quem quisesse, sem interferência militar. Não fiz nada pelo senhor, não votei no senhor, não vou votar no senhor, não sou PSD“.

Certamente Moro está convencido de ter apenas cumprido seu papel como magistrado, de forma isenta, ao julgar e condenar Lula de maneira célere, contribuindo inexoravelmente para afastar das eleições de 2018 aquele que as pesquisas diziam ser da preferência de cerca de 50% dos eleitores.

Algo totalmente discutível e questionável até por quem não joga no mesmo lado político do ex-presidente, preso desde 7 de abril passado. Como, por exemplo, o presidenciável Ciro Gomes (PDT), hoje confesso adversário do ex-líder metalúrgico.

Sem falar nas críticas de mais de uma centena de advogados e juristas, nacionais e internacionais, que ao se debruçarem sobre sentença de Moro concluíram que houve condenação sem provas. Condenação política.

Diante de tanto questionamento, Moro certamente ganharia se aprendesse a lição dada há 62 anos, por Sobral, bem descrita por Scalércio no livro citado acima. Ele lembra o pensamento/entendimento, acima de tudo coerente, do jurista conservador:

“(Ele, Sobral), não podia permitir-se conviver com a maledicência que só inaugurara a Liga de Defesa da Legalidade para conquistar uma vantagem posteriormente (…) Mais do que se tornar um prisioneiro de suas próprias palavras, Sobral tinha apreço por sua fama, sua reputação. Elas já estavam escritas nos autos dos julgamentos, em seus artigos na imprensa, nas copiosas missivas que enviava para amigos e desafetos, em seus gestos e, desde então, em papel carta cor-de-rosa, de mulher!

O “papel carta cor-de-rosa”, que ainda por cima era perfumado, foi fruto da pressa do próprio Sobral Pinto em recusar o convite do então presidente para a vaga aberta no STF. Chegou às suas mãos no momento em que se encontrava em uma fazenda no interior paulista. Convite encaminhado por uma carta de JK, através de um amigo em comum, Gabriel Costa Carvalho, e um tenente da Aeronáutica.

Sobral recusou-se a recebe-la. Tratou de pedir à esposa do anfitrião uma folha e um envelope para responder ao presidente, devolvendo o convite. Foi quando lhe repassaram o “papel de carta de mulher, todo cor-de-rosa e perfumado”, explicou anos depois. Provavelmente com o discreto sorriso que lhe era típico e a satisfação de zelar pela sua reputação.

Registre-se, que ao contrário de Moro, jamais se soube de declaração antecedente de Sobral rejeitando previamente vaga no Supremo. A recusa surgiu após surgirem os comentários de jornalistas da possibilidade de o convite ser feito.

Já o juiz curitibano, como o próprio site de O Estado de S. Paulo noticiou nesta quinta-feira (01/10), em entrevista concedida ao próprio jornal, em 6 de novembro de 2016 – portanto, há dois anos – alardeou que “jamais entraria para a política”.

Mesmo que não venha a considerar um cargo em um ministério – em especial o da Justiça – como político, o “sim” que o juiz deu nesta quinta-feira a Bolsonaro, sem esconder na fisionomia a sua satisfação, simplesmente é o inverso da preocupação de Sobral Pinto, relatada no livro. Moro não se sentiu “um prisioneiro de suas próprias palavras“.  Palavras que literalmente proferiu e jamais desmentiu. Ou seja, acima de tudo, faltou-lhe coerência.

Ao confirmar esta passagem histórica ao Blog, Eny Moreira advertiu: “Como tenho dito a todos, é impressionante como o Sobral faz falta nesse país”.

Para ela, não é mera coincidência lembrarmos nesse momento a máxima que conduzia a atitude do Sobral, que ele falava sempre, era o papel do cristão de “odiar o pecado e amar o pecador”.

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