“No Brasil, previsão de banho de sangue.” A manchete estampada na capa da edição internacional do New York Times de 2 de novembro, Dia de Finados, atraía o leitor para uma longa reportagem assinada pelos correspondentes Ernesto Londoño e Manuela Andreoni.
Na Carta Capital
No texto, o jornal norte-americano, um dos mais influentes do mundo, trazia sombrios prognósticos para o Brasil após a vitória de Jair Bolsonaro, eleito com a promessa de esmagar as facções criminosas, oferecendo à polícia carta-branca para matar bandidos.
“O tipo de abordagem draconiana que ele prometeu já é empregado há meses no Rio de Janeiro, onde militares supervisionam a operação de segurança desde fevereiro. Isso levou a um aumento no número de mortes cometidas pelas autoridades e a um debate sobre se a tática está funcionando”, observam os autores.
De fato, não há o mais pálido sinal de refluxo da violência após a intervenção militar. De janeiro a setembro deste ano, o estado registrou 5.197 mortes violentas, alta de 4% em relação ao mesmo período de 2017, atesta o Instituto de Segurança Pública, autarquia do governo fluminense responsável por compilar as estatísticas de violência. Escandalizado, o NYT acrescenta: o número é muito superior aos 3.438 civis mortos em conflitos no Afeganistão no ano passado.
Quase um quarto desses assassinatos está na conta da polícia ou do Exército. Até setembro, foram registradas 1.181 mortes decorrentes de intervenções das forças de segurança, número 44% maior que o do ano anterior. E o Rio é apenas o décimo estado mais violento do Brasil.
Em todo o País, foram registradas 63.880 mortes violentas intencionais em 2017, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Para o New York Times, o assustador nível de violência pesou na decisão dos eleitores. “Juntamente com Bolsonaro, outros políticos que prometem caçar criminosos foram recompensados nas urnas, preparando o cenário para um período de intenso derramamento de sangue”, prevê o jornal.
Na avaliação de Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum e pesquisadora da Fundação Getulio Vargas, não há qualquer exagero na análise do diário americano. “A perspectiva é realmente muito ruim. Muitos associam Bolsonaro ao Donald Trump, mas a comparação me parece descabida. Em primeiro lugar, porque os EUA têm instituições democráticas sólidas, com freios e contrapesos, o que limita a atuação do presidente.
Além disso, do ponto de vista programático, Bolsonaro está mais próximo do filipino Rodrigo Duterte, que igualmente não respeita os direitos humanos e elegeu-se com esse discurso de que ‘bandido bom é bandido morto’”, afirma a especialista a CartaCapital. “Com o aumento da letalidade policial, incentivada pelo presidente eleito e por governadores aliados, o banho de sangue é iminente.”
Sempre na cola de Bolsonaro e com o mote de campanha “polícia na rua e bandido na cadeia”, o tucano João Doria prometeu, logo após a confirmação de sua apertada vitória em São Paulo, que pagará “os melhores advogados” para defender policiais que matam suspeitos em serviço.
Ex-juiz federal e eleito para o Palácio da Guanabara com mais de 60% dos votos válidos, Wilson Witzel antecipou que vai pedir a presença dos militares no Rio de Janeiro por mais dez meses após o término da intervenção federal, além de anunciar a intenção de contratar atiradores de elite para abater criminosos armados com fuzil, mesmo fora de situações de confronto. “A polícia vai fazer o correto: vai mirar na cabecinha e… fogo! Para não ter erro”. Espera-se que os policiais não confundam guarda-chuvas com fuzis, como já ocorreu no passado.
Durante a campanha, Bolsonaro prometeu “entupir a cadeia de bandidos”. Em recente entrevista à Band, o presidente eleito esclareceu não se tratar de figura de linguagem. “Ninguém quer torturar ninguém dentro da cadeia. Mas, se não tiver recursos, amontoa”, disse ao apresentador José Luiz Datena.
O novo governador do Rio tampouco se preocupa com a superlotação dos presídios, onde as facções criminosas costumam arregimentar novos soldados. “Não vai faltar lugar para colocar bandido. Cova a gente cava, e presídio, se precisar, a gente bota navio em alto-mar”, discursou Witzel, sob aplausos, na sede da Associação de Oficiais Militares Estaduais do Rio.
“Os governadores são chefes das polícias estaduais, não deveriam ser tão irresponsáveis em dar declarações como essas. Estamos falando de forças de segurança que já matam demais e que possuem organização militar, na qual o respeito à hierarquia é um valor muito caro.
Para o soldado que está na ponta, isso é praticamente uma ordem”, alerta Bueno. “Se os policiais seguirem essa orientação, eles também ficarão mais vulneráveis aos ataques e revides de criminosos. A violência tende a se retroalimentar nessa perversa lógica de vingança.”
As ameaças não residem apenas no discurso. No plano de governo registrado na Justiça Eleitoral, Bolsonaro resume as suas propostas para combater a criminalidade em um único slide de PowerPoint: a genérica intenção de ampliar investimentos em tecnologia e inteligência, a promessa de acabar com a progressão de penas e as saídas temporárias dos presos, a redução da maioridade penal para 16 anos (embora o novo presidente tenha se manifestado a favor de diminuir ainda mais, para 14 anos), a facilitação do porte de armas por civis, a regulação do chamado “excludente de ilicitude”, para garantir “retaguarda jurídica” aos policiais que matam em serviço, a tipificação das ocupações de imóveis rurais e urbanos como terrorismo, a retirada de “qualquer relativização da propriedade privada” da Constituição e um redirecionamento da política de direitos humanos, “priorizando a defesa das vítimas de violência”. É tudo.