No Human Right, por Maria Laura Canineu e César Muñoz Acebes – A Declaração Universal dos Direitos Humanos tornou-se um avanço histórico porque consagrou uma ideia muito simples, mas poderosa: todos os seres humanos gozam dos mesmos direitos e liberdades fundamentais, independentemente de raça, sexo, credo ou qualquer outra distinção.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos tornou-se um avanço histórico porque consagrou uma ideia muito simples, mas poderosa: todos os seres humanos gozam dos mesmos direitos e liberdades fundamentais, independentemente de raça, sexo, credo ou qualquer outra distinção.
Esse é o “universal” no nome da declaração. Significa que esses direitos e liberdades se aplicam a pessoas de qualquer país, seja uma ditadura ou uma democracia, se o governo é de direita ou de esquerda.
O artigo 1º da Declaração Universal determina que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”. Essas 12 palavras anunciaram uma mudança sistêmica em um mundo no qual algumas pessoas – a realeza, os ricos, os europeus, os homens, os brancos – sempre desfrutaram de mais direitos e privilégios que outros.
E esses valores continuam absolutamente pertinentes hoje no Brasil.
Quando o artigo 3º da Declaração diz que todos têm direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal, isso envolve a elite privilegiada e também os moradores da periferia.
Quando o artigo 5º diz que ninguém será submetido a tortura ou maus tratos, não abriu uma exceção para pessoas suspeitas de pertencerem a grupos de esquerda durante o regime militar do passado, ou para jovens negros da periferia que alguns policiais acham que podem espancar, agredir ou matar de forma impune. Aqueles que torturaram, no passado, ou torturam no presente, nunca deveriam ser lembrados como heróis, mas sim responsabilizados e punidos.
Quando o artigo 19º diz que todos os seres humanos têm direito à liberdade de opinião e expressão, isso não exclui os policiais militares, que no Brasil podem sofrer punições desproporcionais se defenderem publicamente uma reforma policial ou tecerem críticas a um superior ou uma decisão do governo.
E quando o artigo 23º diz que todos os seres humanos têm direito a igual remuneração por igual trabalho, isso inclui as mulheres, que no Brasil continuam a ganhar muito menos do que os homens, com o mesmo nível de educação.
O Brasil progrediu na defesa de alguns dos direitos contidos na Declaração. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por exemplo, está tentando concretizar o direito a uma audiência “justa e pública” ao estabelecer que toda pessoa presa tem de ser conduzida à presença de um juiz dentro de 24 horas da sua prisão. No entanto, apesar da determinação do CNJ, mais da metade dos presos no Brasil definham em celas superlotadas, por até meses antes de ver um juiz, segundo o próprio CNJ.
Outros direitos humanos de caráter universal enfrentam novas ameaças no País. O artigo 14º reconhece o direito de qualquer pessoa de buscar asilo em outros países, mas alguns políticos defendem o fechamento das nossas fronteiras para os venezuelanos que fogem de um país em colapso, mesmo quando escapam de perseguição.
O artigo 26º estabelece que a educação “deve ser orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos do ser humano e pelas liberdades fundamentais”. O projeto de lei “Escola sem Partido”, atualmente em discussão no Congresso Nacional, ao dispor sobre a proibição não apenas da discussão, mas até mesmo do uso de termos como “gênero” e “orientação sexual” nas salas de aula, é contraditório a esta previsão.
A Declaração Universal em si não tem caráter vinculante, mas hoje os princípios nela contidos refletem amplamente o direito internacional consuetudinário a que todas as nações devem aderir, e foram posteriormente incluídos em vários tratados que o Brasil tem obrigação legal de cumprir.
Dez anos após a adoção da Declaração, a ex-primeira-dama dos Estados Unidos Eleanor Roosevelt, que presidiu a comissão que a elaborou, perguntou em um discurso onde começam os direitos humanos universais. “Em pequenos lugares”, ela respondeu, “perto de casa – tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em nenhum mapa do mundo”. Isso era, é claro, antes do Google Maps.
Mas seu ponto de vista faz total sentido. A Declaração Universal é diferente de qualquer acordo internacional anterior, que lidou com fronteiras, comércio ou outras relações entre países. A Declaração é sobre cada ser humano.
A violação dos direitos fundamentais em qualquer canto do planeta corrói os princípios que nos protegem a todos do abuso e da tirania. É por isso que devemos valorizar e defender a Declaração que nos coloca, as pessoas, no centro das relações internacionais.
*Maria Laura Canineu é diretora do escritório da Human Rights Watch no Brasil e César Muñoz Acebes é pesquisador sênior.