Cem anos sem Rosa Luxemburgo: uma vida pela revolução

Cem anos sem Rosa Luxemburgo: uma vida pela revolução

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Teorias políticas da dirigente marxista ecoaram ao longo da história e permanecem atuais

Lu Sudré
Brasil de Fato

Há exatamente cem anos, em 15 de janeiro de 1919, a filósofa, economista e militante polaco-alemã Rosa Luxemburgo foi assassinada em Berlim, capital da Alemanha, em retaliação a suas contribuições para a luta revolucionária da esquerda. A tentativa de sufocar as ideias transformadoras da maior pensadora marxista do século 20 foi em vão: o legado dela ecoa ao longo da história e permanece atual.

Rosa Luxemburgo fundou a Liga Spartakus, organização socialista, anti-imperialista e anti-militarista que atuou na Alemanha durante a Primeira Guerra Mundial – e, posteriormente, deu origem ao Partido Comunista Alemão.

Nascida em 5 de março de 1871 em Zamośc, na Polônia, a filósofa envolveu-se com a militância revolucionária desde a juventude e formou-se politicamente ao lado de outras figuras históricas, como a feminista alemã Clara Zetkin.

Por ser tratar de uma herdeira da teoria de Marx, a elaboração teórica de Rosa Luxemburgo se concentra na crítica ao modo de produção capitalista e suas contradições.

Isabel Loureiro, especialista no pensamento de Rosa Luxemburgo, explica que a obra da comunista discorre sobre como o capitalismo gera, necessariamente, a desigualdade entre classes, indivíduos e países. A teórica escreve que, a partir de um modelo de produção racista e sexista, o capitalismo perpetua-se, com a finalidade de acumular indefinidamente. Para isso, destrói vínculos sociais e a natureza, e se sustenta com base na exploração dos trabalhadores.

“A Rosa sempre foi uma grande defensora das liberdades democráticas, fruto das revoluções burguesas no Ocidente. Ela viveu a infância e a adolescência na Polônia dominada pelo império tzarista [monarcas da Rússia] e sabia muito bem como era uma vida sem liberdade de imprensa, de associação, de reunião, sem liberdade religiosa e sem direitos de nenhuma espécie para os trabalhadores e para as mulheres”, relata Loureiro.

Doutora em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP), a pesquisadora é colaboradora da Fundação Rosa Luxemburgo e ressalta a importância do legado da militante polaco-alemã.

“Sua contribuição original à teoria política é que as transformações sociais estruturais só podem ser obra da ação autônoma das massas populares. Ou seja, a instituição de uma sociedade verdadeiramente socialista não pode resultar de golpes de vanguardas políticas que imaginam saber o que é melhor para os trabalhadores e se colocam no lugar deles”, analisa. “Rosa sempre foi decididamente contra a ideia de vanguarda substituta das massas. A revolução, para ela, é obra da ação livre dos trabalhadores. Ou não é revolução”.

A partir da ação autônoma, as massas aprendem com suas próprias experiências e se formam politicamente na luta. Rosa Luxemburgo chegou a essa análise, sobretudo, acompanhando a organização dos trabalhadores na Revolução Russa, de 1905 e 1907.

Apesar de divergir em alguns aspectos com Vladimir Lênin e Leon Trotsky, líderes da Revolução de 1917, Rosa Luxemburgo era muito admirada pelos dirigentes comunistas. Segundo Loureiro, ela criticava o que considerava “uma incompreensão dos bolcheviques no tocante à democracia. Sua crítica soa como uma advertência contra o posterior totalitarismo stalinista”.

Quanto às obras mais importantes para a esquerda, a estudiosa enumera, em primeiro lugar, o livro “A acumulação do capital”, e outros dois artigos: “Questões de organização da social-democracia russa” e “Greve de massas, partido e sindicatos.” Em seguida está o texto “O que quer a Liga Spartakus?”, programa adotado pelo Partido Comunista Alemão.

Já a obra “A revolução russa”, onde registra suas críticas, é uma recusa à violência, principal bandeira erguida pela dirigente: “Ela rejeitava incisivamente o terror, tanto contrarrevolucionário quanto revolucionário. E acreditava que a revolução socialista, por ser obra das grandes massas populares, não precisava matar os adversários”.

A vida pelo socialismo

Neste mês de janeiro, pela primeira vez em português, a biografia de Rosa Luxemburgo, escrita por Paul Frölich e publicada originalmente em 1939, será publicada no Brasil com co-editoria das editoras Boitempo e editora Iskra.

Para a historiadora Diana Assunção, autora do prólogo de “Rosa Luxemburgo: pensamento e ação”, o título do livro sintetiza o legado da comunista. “Gosto muito desse nome porque é justamente isso. Quando falamos obra, não estamos falando somente dos livros que ela elaborou, mas da obra de vida dela. Da ação. Como o pensamento dela, seu desenvolvimento, se materializou em ação concreta, construindo organizações revolucionárias, lutas políticas, combates concretos, participação em processos revolucionários”, diz Assunção.

Para além de falar sobre suas contribuições políticas, a biografia apresenta aspectos pessoais de Rosa Luxemburgo. “Simplesmente nada a impediu de lutar pela revolução. Ela enfrentou todos os obstáculos sendo mulher, sendo imigrante, sendo judia. O livro retrata os dramas pessoais que sofreu, tendo problemas e crises de relacionamento inclusive com companheiros do partido, como era o Leo Jogiches, que foi o grande amor de sua vida e uma personalidade muito forte na composição do caráter da própria Rosa Luxemburgo”, comenta a militante do grupo de mulheres Pão e Rosas.

A historiadora ressalta a importância da relação da polaco-alemã com Clara Zetkin. Apesar das discordâncias políticas, elas eram grandes amigas. Inclusive, para compor o prólogo da obra, Assunção utilizou um trecho de um texto que Zetkin escreveu sobre Rosa:

“A ideia socialista foi para Rosa Luxemburgo uma poderosa paixão – da mente e do coração – que dominava tudo, uma paixão que se consumia e se materializava criativamente. Preparar a revolução que abria o caminho para o socialismo foi a missão e a grande ambição da vida dessa mulher rara. Viver a revolução, participar de suas batalhas, era a felicidade suprema que lhe acenava. Com força de vontade, abnegação e dedicação tais que palavras não conseguem expressar, Rosa Luxemburgo empenhou ao socialismo tudo o que ela era, tudo o que levava dentro de si […] Ela foi a espada, a chama da revolução, e seu nome ficará gravado nos séculos como o de uma das mais grandiosas e célebres figuras do socialismo internacional”.

Perseguida por instituições contrarrevolucionárias e anti-bolcheviques, foi justamente a entrega de vida de Rosa pela revolução proletária que a fez ser assassinada ao lado de Karl Liebknecht, outro político e dirigente socialista alemão.

“Eles foram pegos em uma emboscada e foram mortos a coronhadas, de uma forma bem selvagem e brutal. A morte deles ficou muito marcada como perseguição política – mesmo que tentassem, de todas as vias, fazer parecer outra coisa. Eles são exemplos de militantes que lutaram até o final. Trotsky, quando escreveu sobre o assassinato deles, disse que os dois eram exemplos de militantes que morreram em pé frente ao inimigo e que, portanto, todos os militantes do comunismo internacional deveriam seguir em pé frente ao inimigo em nome de Rosa e de Karl Liebknecht”, relata Diana Assunção.

Para Rosa Luxemburgo, nada menos do que um processo revolucionário serviria à classe trabalhadora. Em seu livro, “Reforma social ou revolução?”, a filósofa registrou que as reformas só fazem sentido no interior de uma concepção estratégica que tem por norte uma revolução. “Reformas isoladas serão perdidas assim que as classes dominantes virem seus interesses ameaçados e eliminarem essas reformas. Rosa é muito realista no tocante a essa questão, como podemos ver hoje no Brasil”, afirma Isabel Loureiro.

Mulheres revolucionárias

Para além de suas contribuições teóricas, Rosa Luxemburgo tornou-se um símbolo e segue referência no movimento feminista, por ser uma dirigente política em um contexto onde a maioria das lideranças eram homens. Algumas de suas elaborações centrais para o gênero feminino eram sobre o direito ao voto – já que, na Alemanha, as mulheres só puderam votar e se eleger com o fim da monarquia em 1918.

Assim como para a totalidade da classe trabalhadora, a filósofa acreditava que a emancipação feminina se daria apenas pela mãos das mulheres. Rosa Luxemburgo também argumenta que o capitalismo precisa da desigualdade entre homens e mulheres para se reproduzir.

“Suas obras, seu estudo minucioso do capital, as suas batalhas revolucionárias, tudo isso faz da Rosa o grande exemplo de dirigente mulher, que não aceita o estado de vítima que o capitalismo coloca sobre as mulheres com o patriarcado, com tantos assassinatos e com tanta opressão”, sustenta Assunção.

A especialista Isabel Loureiro compartilha dessa interpretação. “As feministas e se inspiram na figura de Rosa Luxemburgo pelo seu protagonismo político, como mulher que sai da esfera da vida privada e ocupa o espaço público como militante, professora da escola de quadros da social-democracia alemã, jornalista, oradora e intelectual marxista. Era uma mulher muito talentosa e muito corajosa, que serve de inspiração para todas nós”.

Em relação à atualidade da obra da revolucionária, Loureiro pontua que cada época recupera para si a imagem de uma Rosa Luxemburgo: “Atualmente, sobressai a feminista e a teórica crítica do capitalismo globalizado. Na sua obra de economia política, ‘A acumulação do capital’, Rosa defende a tese de que o capitalismo historicamente existente sempre precisou dos espaços externos a si mesmo para se reproduzir”.

Na época, de acordo com a estudiosa, a comunista se referia às colônias. Porém, é possível traçar um paralelo com o presente: esses espaços seriam os territórios dos povos tradicionais na América Latina, considerados por Loureiro a “última barreira para a capitalização total do globo terrestre”.

Rosa Luxemburgo é um exemplo vivo da esperança em um outro mundo. “Por mais que a esquerda esteja ressabiada com sua derrota nos últimos tempos, acredito que Rosa tinha razão quando, no pior momento de sua vida, durante a Primeira Guerra Mundial, encarcerada e doente, nunca deixou de acreditar que, depois do inverno da guerra viria a primavera da revolução”, finaliza Loureiro.

Edição: Daniel Giovanaz

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