Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) lançou nesta sexta-feira (18) documento que registra 135 casos violentos
Lu Sudré
Brasil de Fato
Em um contexto político polarizado e repleto de tensionamentos, cresce cada vez mais a perseguição contra jornalistas no Brasil. É o que revela o relatório “Violência contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Brasil – 2018”, da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), que divulgado nesta sexta-feira (18). De acordo com o documento, casos de agressões aos profissionais cresceram 36% em 2018, em relação ao ano anterior.
Foram 135 ocorrências de violência – incluindo um assassinato – contra 227 jornalistas. Em 2017, foram 99 casos. A agressão física em 2018 foi a forma mais recorrente de violência e vitimou 58 trabalhadores. Em comparação com o ano anterior, as agressões verbais e impedimentos do exercício profissional aumentaram mais de 100%. Já as ameaças e intimidações cresceram 87%.
A eleição presidencial de 2018 foi a principal razão dos ataques contra a imprensa. O relatório aponta que os eleitores e manifestantes foram responsáveis por 30 casos de violência contra jornalistas, o que representa 22% do total. Eleitores de Jair Bolsonaro foram responsáveis por 23 dos episódios.
“As agressões verbais e ameaças dos eleitores se deram, em sua maioria, em momentos em que havia um questionamento ao candidato. Havia uma pressão para que o profissional se calasse. Isso mostra, de fato, que há grupos sociais, organizados ou não, que não prezam pela democracia. Que acham que a força pode ser utilizada para impor seu ponto de vista, sua vontade. No caso da eleição, para impor seu candidato”, afirma Maria José Braga, presidente da Fenaj, destacando o aumento exponencial das agressões contra jornalistas nas redes sociais.
Esse foi o caso da jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha de S. Paulo, que no dia 18 de outubro de 2018 publicou uma reportagem que denunciou possível caixa 2 na campanha presidencial de Jair Bolsonaro. A matéria apresentou informações sobre a ação ilegal de empresas privadas que financiaram o disparo massivo de mensagens contra o Partido dos Trabalhadores (PT) via WhatsApp, com o objetivo de influenciar as eleições.
Depois da publicação da reportagem, eleitores favoráveis a Bolsonaro impulsionaram a hashtag #FolhaPutinhaDoPT no Twitter. Patrícia recebeu centenas de mensagens agressivas. “Mais uma canalha imunda, militante esquerdista. Quando Bolsonaro ganhar temos que combater esses canalhas com ferro e fogo, se é que me entendem. Sem misericórdia contra esses vagabundos”, escreveu um partidário do presidente eleito.
Conforme constata o relatório, a jornalista foi apenas uma entre inúmeros profissionais alvo de retaliações. “Toda e qualquer agressão ao jornalista é uma forma de cerceamento à liberdade de imprensa e, portanto, um ataque a um dos pilares da democracia que é a liberdade de expressão. Não minimizamos nem um caso. Todos são tentativas de calar uma voz, de não deixar que determinada informação chegue ao público, ou seja, com características de tirar da sociedade a possibilidade do debate democrático”, ressalta Braga.
Durante o período eleitoral, manifestantes favoráveis à candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva estiveram envolvidos em sete episódios. A presidente da Fenaj acrescenta que na ocasião da prisão do petista, em abril do ano passado, também foram registradas agressões à imprensa. Durante a greve dos caminhoneiros contra o aumento do combustível, iniciada em 21 de maio, também foram registrados casos. Os grevistas protagonizaram 23 do total de casos contra os profissionais da comunicação.
Com a finalidade de evitar novas agressões, a Federação faz o monitoramento dos casos e denúncias nacionais e internacionais. A entidade media ações com o governo e com as empresas de comunicação, para que adotem medidas protetivas aos profissionais. A Fenaj também cobra ações do poder público contra a violência e, principalmente, em relação à atuação policial, já que muitos profissionais são feridos e detidos na cobertura de protestos.
Na última quarta-feira (16), por exemplo, em ato contra o aumento da tarifa de ônibus e metrô em São Paulo, jornalistas foram alvo de violência e intimidação por policiais, que também reprimiram os manifestantes. O fotojornalista Daniel Arroyo, da Ponte Jornalismo, foi atingido por uma bala de borracha no joelho direito.
Ódio na internet
O jornalista esportivo Juca Kfouri, autor do Blog do Juca Kfouri, hospedado no site UOL, recebe cotidianamente ameaças e xingamentos. Na última segunda-feira (14), o profissional entrou com representação no Ministério Público de São Paulo contra o corretor de imóveis José Emílio Joly Júnior, que lhe ameaçou por diversas vezes.
“Juca-nalha. Um dia vou cruzar na sua frente e te encher de porrada na cara! Velho gaga. Pederasta inútil. Pedófilo (…) Se cuida palhaço!”, escreveu Joly Júnior, que afirmou ser ex-militar nas mensagens e defensor de Bolsonaro. “Bolsonaro, meu ídolo! Meta chumbo nesse bando de chopins. Quero ver milhares de canalhas tombando com as armas da honestidade”, disse, em outro comentário do blog.
O jornalista notificou o agressor que o caso foi levado as autoridades. Joly Júnior chegou a enviar um pedido de desculpas protocolar ao blog e não fez mais comentários.
“As chamadas redes sociais ou anti-sociais, acabaram nos revelando um mundo que tem esse aspecto notável que é o da possibilidade da democratização da informação, onde todos podem se manifestar. Mas, ao mesmo tempo, revela o lado mais sombrio das pessoas. Um lado covarde de ameaçar. A pessoa sabe com quem está falando, mas a pessoa ameaçada não sabe quem o ameaça; o uso do anonimato… Tudo isso virou moda”, diz Kfouri.
Ele detalha que o que lhe fez procurar a Justiça foi um comentário no qual Joly Júnior, que usava o apelido “JConselheiro” e utilizava o e-mail da esposa, afirmou que o nome do jornalista estaria “na lista de passageiros de famosos helicópteros dos tempos áureos da ditadura, onde sobrevoavam por mares distantes! Atenção senhores passageiros para voo panorâmico em alto mar. Tomem seus assentos, boa viagem e até nunca mais”.
O objetivo de Kfouri é que Joly Júnior também responda sobre o que sabe dessas ações do exército durante o regime militar. Os comentários forem entregues a Paulo Marco Ferreira Lima, procurador de Justiça e chefe do Núcleo de Combate a Crimes Cibernéticos, que investiga as ameaças.
Para o jornalista, é essencial denunciar os agressores. “É o que se pode fazer. Ir à Justiça, denunciá-los ou tornar público, daí passam a se comportar de uma maneira mais civilizada. Faz parte da nossa profissão”. Kfouri conta ainda que sofre ameaças desde 1982, quando trabalhava como diretor da Revista Placar e denunciou 125 pessoas por participarem da máfia da loteria esportiva.
Na sua opinião, sob o governo Bolsonaro, o exercício jornalístico e os próprios profissionais serão ainda mais atacados.
“O primeiro a fazer esse tipo de ameaça é o próprio presidente, o próprio Bolsonaro. É só lembrar do que ele disse naquele discurso na Av. Paulista e o que tem dito contra a imprensa.”
A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) também monitora os casos de violência física ou virtuais contra profissionais da comunicação. Em 2018, a organização registrou cerca de 156 casos, 85 deles de assédio virtual.
Edição: Mauro Ramos