Visão Periférica, por Vinicius Canova – Sabrina Bittencourt cansou. Não aguentou mais fugir e esconder-se entre países europeus ou correr a outros continentes, longe do seu berço pátrio na América do Sul, a fim de evitar o inevitável: a tragédia digna dos perseguidos, dos violentados, dos oprimidos e açoitados. Vivia um cotidiano nômade, como se fosse criminosa foragida.
E no seu caso a ordem se subverteu facilmente porque parte significativa de sua trajetória inclinou-se a expor o lado mais obscuro dos autoproclamados pilares do transcendentalíssimo em carne e osso, verdadeiros usurpadores dos efeitos ébrios da confiança humana no sacerdócio divino em Terra. Ousou enfrentar a única coisa incontestável e pagou com o preço mais alto: a vida.
Descobriu da pior maneira que os criminosos inescrupulosos em seu encalço, sempre a mando de covardes vestidos de branco dos pés à cabeça, não conhecem os limites divisórios ilustrativos que fracionam o globo nos mapas mundiais.
Dinheiro e poder são verdadeiros passaportes para assassinos de aluguel. Por isso, compreendeu finalmente que o Estado negligente e permissivo a padecer de uma cegueira incurável relacionada a atos atrozes praticados por líderes religiosos jamais fora aliado dela e de suas protegidas, nunca quis o bem das mulheres molestadas, emocionalmente dilaceradas por homens abjetos como João de Deus e Prem Baba.
Combateu também, junto com o grupo Vítimas Unidas, liderado por Maria do Carmo Santos e reforçado por Vana Lopes, uma das inúmeras mulheres violentadas por Roger Abdelmassih, os crimes perpetrados pelo ex-médico.
Sabrina, então, caminhou pela última vez após escolher uma das opções numa trilha bifurcada onde as placas sinalizavam que, pela esquerda, o termo de sua existência estaria em suas próprias mãos; à direita, seguiria através de uma ponte sem fim, trêmula e despedaçada em que cada chacoalhada desencadeada por uma monstruosa silhueta sem forma definida na outra ponta colocaria em risco as vidas de mulheres que jurou acolher e abrigar, o que a faria cair junto – mais cedo ou mais tarde.
De família de mórmons, foi abusada sexualmente desde os quatro anos de idade por membros da igreja frequentada por seus pais e avós; aos 16, engravidou de um dos estupradores e abortou.
Portanto, cometer suicídio foi seu último ato de ativismo ao tirar das mãos dos homens que reiteradamente a ameaçavam de morte o direito de decidir sobre quando e onde daria o suspiro derradeiro. Registrou na Internet suas motivações e confidenciou a amigos os nomes daqueles que a queriam vê-la fora de atividade.
O fim trágico de Sabrina Bittencourt traduzido num gesto desesperado e eterno de resistência ainda obrigou os órgãos de imprensa a direcionarem seus holofotes às bárbaras incursões de pretensos sacrossantos espúrios, mafiosos da fé e estelionatários da crença, colocando a negligência do governo federal em xeque. Caso não aja, e logo, o Planalto passará mais um atestado de incompetência.
Descanse em paz, guerreira!