247 – A ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos do governo de Jair Bolsonaro, Damares Alves, encontra-se em meio a mais uma polêmica, dessa vez, envolvendo a guarda ilegal da jovem indígena Lulu, a qual a ministra retirou, ainda na infância, da Tribo Xingu, como foi noticiado recentemente pela revista Época. Em entrevista concedida ao jornal Folha de S.Paulo, neste domingo, Damares revelou ter tomado a menina da família à margem de qualquer mecanismo legal na adoção de Lulu, e argumentando que “o vínculo afetivo” entre as duas seria o suficiente para estabelecer a guarda. Na entrevista, ela disse que é “mãe sociafetiva” de Lulu, mas não obedeceu nenhum dos trâmites legais que regulam tal instituto. Na prática, Damares usou do “pegou pra criar” para ficar com criança -o que é totalmente ilegal no país.
Durante a entrevista, Damares não deixou dúvidas da fragilidade dos tramites legais. “Lulu é minha filha e ela tem certeza que sou mãe dela. O que une eu e minha filha são laços afetivos. Ela chegou em minha casa entre seis e sete anos. Somos mãe e filha”, disparou.
Ela ainda baseou-se em um dispositivo jurídico da adoção socioafetiva para justificar sua relação com Lulu. “Eu sou mãe socioafetiva de Lulu [o processo não foi formalizado na Justiça por ela]. Você pode me perguntar: por que você não adotou oficialmente Lulu? Porque Lulu tem mãe, pai e irmãos. Os pais de Lulu a amam. Quando eles me entregaram Lulu, foi para cuidar dela. Eles não me entregaram para adoção. Ela havia vindo para Brasília para tratamento de saúde e a conheci em uma instituição onde atuei como voluntária. Ela teve dificuldade de adaptação”.
O mecanismo da relação socioafetiva, de fato, existe. A prática foi legalizada em 2013, quando o Código Civil entrou em vigor. Antes dele, apenas a paternidade biológica ou por adoção eram válidas.
No entanto, o que Damares não explica, é que qualquer relação que envolva a tutela de um menor, precisa ser ratificada na Justiça, tramite que não foi feito por ela.
“No caso deste reconhecimento precisar ser feito na Justiça, ele se dará por meio de lavratura, em tabelionato, de uma escritura pública ou por meio de ajuizamento de ação judicial de reconhecimento da parentalidade socioafetiva. Vale lembrar que, em alguns casos, será necessário provar o vínculo”, explica a especialista em direito de família, Cristina Buchignani, ao portal Crescer, do G1.
A especialista ainda acrescenta que a presença da Lei no processo da guarda é fundamental para evitar qualquer tipo de desiquilíbrio que possa prejudicar a criança. “a Justiça também ficará responsável por resolver qualquer controvérsia entre o pai afetivo e o biológico, quando não houver um ajuste amigável entre as partes, prevalecendo sempre o que for melhor para a criança”, diz a especialista.
Apesar de todos os tramites exigidos na legislação brasileira no processo de adoção, Damares diz apenas que nunca “nunca falou sobre adoção com eles” [a família de Lulu] “porque achava desnecessário”.
O que Damares classifica como “desnecessário”, pode ser visto sobre um outro ângulo, como apurou a reportagem da Época. Em depoimentos registrados em vídeo, os kamayurás afirmam que Damares levou acriança irregularmente da tribo sob pretexto de fazer um tratamento dentário na cidade e nunca mais voltou. Já se passaram 20 anos desde que a menina Lulu foi retirada da tribo.
Rapto de criança é crime e dá cadeia
O artigo 237 do Estatuto da Criança e do Adolescente descreve o delito subtração de criança com intuito de colocação em lar substituto, que consiste no ato de tomar uma criança, sem autorização da pessoa que tenha poder familiar ou guarda sobre ela, com a finalidade de colocá-la em outro lar. Para a caracterização desse crime é essencial que o objetivo do criminoso seja inserir a criança em família diversa da que se encontre. A pena prevista é de 2 a 6 anos de reclusão, e multa, segundo informa o Tribunal de Justiça de Brasília.