Bolsonaro lança cortina de fumaça nas redes sociais em detrimento da imagem institucional do Brasil
No El País, editorial
Nos apenas dois meses em que está no cargo, o presidente Jair Bolsonaro demonstrou ser um aluno aplicado de seu colega norte-americano, Donald Trump, pelo menos no que se refere ao uso das redes sociais com mensagens polarizadoras, cuja intenção principal é controlar as narrativas sobre o seu Governo em benefício próprio. Embora pareça difícil, o presidente brasileiro se entrega a essa tarefa com menos escrúpulos públicos ou respeito pelo cargo que ocupa do que o próprio Trump. Sua última incursão aconteceu na terça-feira, quando compartilhou no Twitter um vídeo em que um homem é visto urinando em outro, uma situação certamente grotesca, durante o Carnaval.
Junto às imagens, o presidente escreveu: “É isto que tem virado muitos blocos de rua no Carnaval brasileiro”, uma insinuação clara de que é necessário controlar a festa. A mensagem surgiu depois de ele próprio ter sido alvo em todo o país de de protestos bem-humorados durante os quatro dias de festa, que foram amplamente divulgados pelos meios de comunicação. Milhares de fantasias nas ruas também fizeram referência às denúncias de corrupção que já salpicam membros de sua família. Cantos de “Bolsonaro miliciano” foram ouvidos em São Paulo. Também houve gritos contra o seu Governo em diferentes partes do país.
A mensagem vulgar de Bolsonaro no Twitter se junta a outros episódios protagonizados por ele e por alguns de seus ministros, que degradam diariamente a imagem do Brasil diante dos seus cidadãos e do resto do mundo. A ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves, por exemplo, tem um passado pitoresco quando era pastora evangélica. Em uma de suas palestras na igreja, em 2013, alertou os fiéis de que havia pais holandeses que masturbavam seus bebês numa pregação que se espalhou via redes sociais. Há poucos dias, o ministro da Educação, Ricardo Vélez, propôs a ridícula ideia de que as escolas públicas gravassem imagens dos estudantes cantando o hino nacional, para terminar com o slogan da campanha de Bolsonaro, “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”.
Embora, no caso de Vélez, Bolsonaro tenha reagido e pedido ao ministro para deixar de lado a ideia, a lucidez parece ter durado muito pouco. Seu tuíte da terça-feira se tornou notícia em todo o mundo: não é exatamente a maneira que qualquer outro chefe de Estado gostaria de se mostrar, vulgarizando seu cargo e seu país, com mensagens que não têm nada a ver com os problemas reais e profundos do Brasil. Para o presidente, no entanto, tudo isso pouco importa. Seus críticos ficaram indignados. Mas seus seguidores comemoraram como se tivessem toda a razão, em um movimento eficaz que demonstra a habilidade do presidente tecendo sua narrativa.
É evidente que o presidente brasileiro se sente seguro usando e manipulando de forma tão certeira as redes sociais, com o apoio e o entusiasmo de seus fiéis seguidores. Mas não existe mundo paralelo que se sustente a longo prazo se não se adaptar à realidade. Suas cortinas de fumaça podem distrair por algum tempo. Mas em um país que necessita de um projeto de crescimento econômico urgente, em meio a um plano de austeridade fiscal rígido que limitará muitos programas e sob a necessidade de aprovar uma difícil reforma previdenciária, os tuítes do presidente se apresentam como ainda mais absurdos. Bolsonaro ainda tem muito capital político. Mas sua inconsistência faz temer que os mesmos erros se repitam e que as vaias, agora limitadas ao Carnaval, acabem se multiplicando para além das festas.