A polícia ainda não sabe como os adolescentes tiveram acesso à arma de fogo
Carta Capital – Um ataque feito por dois jovens na Escola Estadual Raul Brasil, em Suzano (SP), na manhã desta quarta-feira 13, deixou dez mortos. Guilherme Taucci Monteiro, de 17 anos, e Luiz Henrique de Castro, de 25 anos, entraram no pátio do colégio atirando. Portavam um revólver, faca, machadinhas e uma besta (uma espécie de arco e flecha). Ambos cometeram suicídio após a ação.
A polícia ainda não sabe como os adolescentes tiveram acesso à arma de fogo. Horas antes do atentado, Guilherme publicou nas redes sociais várias fotos em que aparece mascarado e empunhando um revólver. Ele usava o mesmo acessório e arma quando foi encontrado morto no chão do colégio.
Para o diretor executivo do Instituto Sou da Paz, Ivan Marques, o acesso às armas é um fator fundamental para entender essa tragédia. “Não apenas para trazer respostas ao caso em si. Também pode ajudar o Poder Público a romper um ciclo de violência causado por armas nas mãos de pessoas que estão dispostas a cometer esse tipo de crime”, avalia.
Para o especialista, esse olhar é fundamental sobretudo em tempos de exaltação armamentista, estimulada pelo governo Bolsonaro, que culminou na flexibilização do Estatuto do Desarmamento. pela crença de que as armas podem reduzir a criminalidade. “Isso gera um maior fluxo de armas em circulação e, em médio e longo prazo, os resultados serão muito ruins. Mesmo armas legais podem se voltar contra a sociedade”, avalia Ivan.
O caso desta quarta-feira acende ainda outro alerta, pois o revólver estava na mão de jovens. “Ninguém consegue frear a curiosidade de uma criança ou adolescente diante de uma arma de fogo. Ela está na vida das pessoas, está nos filmes, novelas, brinquedos. O maior fluxo de armas dentro das residências gera mais mortes”, completa.
Guerra de narrativas
Aliados do presidente tem tratado o caso como exemplo de falência da política desarmamentista. O senador Major Olímpio (PSL) sugeriu que os professores entrem em sala armados. Já o vice-presidente Hamilton Mourão atribuiu a tragédia à predileção de adolescentes por jogos violentos, minimizando a relação com política. “Vai dizer que a arma que os caras estavam lá era legal? Não era. Não tem nada a ver, né?”, disse a jornalistas em Brasília.
Para Michele dos Ramos, assessora especial do Instituto Igarapé, os mandatários ignoram questões essenciais para entender – e combater – essas tragédias. “Falar sobre controle de armas é falar também sobre uma política que evite que armas legais sejam utilizadas em crimes como esse.”
Um dos caminhos é aperfeiçoar o rastreio de armas e de munições. As balas e cartuchos, ainda hoje, não têm qualquer registro. Dessa forma, é mais difícil descobrir que as balas usadas em um crime foram compradas por um cidadão comum ou adquiridas ilegalmente.
Se o governo trata as armas como solução para problemas coletivos, diz ela, não demora para que elas sejam encaradas também como cura para dramas individuais. “É um passo pequeno, e muito perigoso. Mais ainda nesse momento de ‘nós contra eles’, de defesa de políticas que ignoram evidências científicas.”