Outro assunto distinto, mas igualmente preocupante, é que, no Sistema Eletrônico de Informações (SEI), também é possível encontrar lista com pacientes portadores de AIDS e laudos técnicos da Polícia Civil (PC/RO)
Outro assunto distinto, mas igualmente preocupante, é que, no Sistema Eletrônico de Informações (SEI), também é possível encontrar lista com pacientes portadores de AIDS e laudos técnicos da Polícia Civil (PC/RO)
Porto Velho, RO – O Sistema Eletrônico de Informações (SEI) começou a funcionar no Governo de Rondônia a partir do segundo mandato de Confúcio Moura (MDB), exatamente no dia 05 de abril de 2017.
A ferramenta virtual é uma espécie de protocolo interno onde a grande maioria das informações percorre os meandros da Administração Pública estadual; parte significativa desses dados é de ordem pública e pode ser acessada por qualquer pessoa.
O sistema, de acordo com o site institucional, foi instalado, à época, através de um acordo de cooperação técnica entabulado com o Ministério da Economia, Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (MPOG).
Ele foi desenvolvido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), que o disponibiliza para outras instituições.
Embora haja a otimização dos serviços e a subsequente contenção de despesas, já que as informações no campo virtual são distribuídas para os órgãos destinatários de maneira instantânea e não há mais gastos com papéis, a falta de treinamento e/ou a desatenção dos servidores que usam o sistema fazem com que o Governo de Rondônia coloque os dados de inúmeros funcionários púbicos em risco.
O jornal Rondônia Dinâmica teve acesso, com exclusividade, a diversos documntos cotendo todas as informações: um prato cheio para o mau uso das informações.
Nomes e endereços completos, filiação, telefones de contato, e-mail, numeração de documentos como RG, CPF, CNH, título de eleitor, tipo sanguíneo, estado civil, e inclusive detalhes físicos da pessoa.
O primeiro documento do tipo encontrado pela reportagem é de dezembro de 2017, oito meses após a instalação e funcionamento pleno do SEI. Isso significa que há pelo menos um ano e quatro meses o Estado de Rondônia expõe os dados a quem quer que seja.
Mas não termina por aí.
Outro assunto distinto, mas igualmente preocupante, é que, na mesma plataforma de trâmite processual interno, é possível encontrar também – e facilmente, por exemplo, relatório de produtividade do mês de março assinado por uma nutricionista lotada no Centro de Medicina Tropical de Rondônia (CEMETRON).
No SEI, há informações sobre pacientes com AIDS
No documento são apontados os atendimentos realizados pela profissional a oitenta pacientes com os mais diversos tipos de diagnóstico, tudo pormenorizado. Dentre as oito dezenas, vinte seis são portadores da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA/AIDS).
E as informações completas estão devidamente registradas para o público: nome, sobrenome, idade, sexo e diagnóstico.
Por último, mas não menos importante, rondam pelo SEI através de laudos técnicos elaborados pela Polícia Civil (PC/RO) fotografias de cadáveres em diversas circunstâncias: do estado avançado de decomposição de um corpo jogado a quilômetros mata a dentro no interior de Rondônia ao homem recém-falecido após outro acidente nas margens da rodovia BR-429.
Entre eles, um senhor cuja cabeça fora esmagada por um caminhão e o laudo de exame tanatoscópico [autópsia] completo de outro sujeito assassinado a tiros em Cacoal, documento que, neste último caso, vem acompanhado de toda a violência gráfica típica do procedimento registrada em imagens.
Ministério Público de mãos atadas
A reportagem conversou com o promotor de Justiça Shalimar Christian Priester Marques, titular da 26ª Promotoria de Justiça de Porto Velho, agente responsável, entre outras incumbências oficiais, pela fiscalização do setor de Segurança Pública.
“Os processos judiciais são públicos”, destacou inicialmente.
Promotor Shalimar Priester diz que o risco existe desde 1941: “agora só está mais fácil”
Na visão de Priester, qualquer do povo, o réu e seu advogado podem ter acesso aos processos e tirar cópias dos documentos.
“Mesmo no caso dos processos sigilosos os advogados constituídos e as partes podem ter acesso”, complementou.
O promotor compreende a preocupação quanto à facilidade do acesso virtual, “mas o risco na tramitação dos documentos através do SEI já existe desde 1941 no processo físico. Agora só está mais fácil”, avaliou.
Rondônia Dinâmica – Só pra sintetizar, o que o senhor disse, é: “Há riscos, mas a lei permite, então não há o que fazer”. É isso?
Shalimar Christian Priester Marques – Exatamente.
RD – Ou seja, se alguém tiver de se preocupar com isso, a iniciativa tem de ser do próprio governo…
SCPM – Exato.
Opinião de especialista
O Rondônia Dinâmica também consultou Cássio Thyone Almeida de Rosa, perito criminal aposentado da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF). Ele é membro do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, tem 26 anos de experiência no setor e é professor e palestrante na área pericial.
Diretamente de Brasília, Cássio Thyone destacou que a distribuição indiscriminada de documentos através do SEI, “configura, sim, uma negligência”.
“Mas o melhor termo seria dizer que essa negligência pode ser resolvida com o Estado trabalhando com os dados que têm de maneira mais cuidadosa. A gestão das informações, quero dizer. A negligência está na forma como as informações do Estado estão sendo gerenciadas, armazenadas e controladas em relação ao seu acesso”, pontuou o especialista.
Instrumento louvável
Para o perito, é importante conceber a iniciativa do Estado como algo louvável, principalmente por conta da economia de recursos, a desburocratização da informação e a facilitação do acesso aos dados. No último ponto, Thyone ressalva que a manipulação de determinados dados tem de ser dispendida a quem pode e aos que devem, pela função, ter acesso a essas informações.
“E isso pode ser sanado quando o Estado, de forma efetiva, gerencia as informações trabalhando no sentido de lembrar que boa parte delas guarda quesitos de confiabilidade devendo ser tratada dentro de uma certa privacidade, em diferentes níveis”.
Cássio Thyone Almeida de Rosa tem 26 anos de experiência em Segurança Pública
Exposição
“Quando o governo expõe dados assim, a exemplo das fichas funcionais com todas as informações de servidores contendo nomes completos, de seus pais e até de filhos, endereço, telefones, enfim, acaba tornando o profissional, de certa forma, muito mais vulnerável a represálias, fraudes ou ataques deliberados. Em suma, mesmo bem-intencionado, o Estado pode, sem querer, inclusive, cometer erros muito maiores a despeito da economia e da facilidade de acesso”.
Laudos periciais circulam livremente pelo SEI com imagens de vítimas expostas
Imagens de vítimas em laudos periciais
Por fim, o educador falou sobre os documentos periciais que, ainda de acordo com sua visão acerca do tema, embora sejam públicos precisam ser tratados com mais cuidado justamente pelo caráter relacionado a imagens das pessoas expostas e respeito aos seus familiares.
“A questão da publicidade dos laudos periciais é um tema que diz respeito à privacidade da família das vítimas expostas. O laudo é uma peça pública, mas, por exemplo, para acessar um laudo aqui em Brasília a pessoa tem de apresentar uma requisição formal. E normalmente os que requisitam são familiares e advogados envolvidos diretamente nos casos. Mesmo assim, em alguns casos, os laudos não são disponibilizados quando há a chancela de segredo de Justiça”.
Da mesma forma, prossegue Thyone, “qualquer cidadão – incluindo servidores da Segurança Pública – pode ser punido por fotografar e fazer vídeos das vítimas caso a intenção seja expor o material”.
“Se esses laudos estão disponíveis assim aí em Rondônia, tão facilmente a qualquer um, significa que as pessoas terão acesso indiscriminado a imagens do tipo e farão com elas o que bem entenderem. É preciso ter cuidado com laudos periciais”, concluiu.