Conheça as principais alterações desde a Era Vargas, passando pela Constituição de 88 e a reforma trabalhista
Marcos Hermanson
Brasil de Fato
Era dia 1º de maio de 1943 quando, sob os olhares atentos de um estádio São Januário lotado, Getúlio Vargas anunciava a “carta de emancipação econômica dos trabalhadores”. A Consolidação das Leis do Trabalho, ou apenas CLT, completa 76 anos em 2019 e, desde sua criação, sofreu mais de 3 mil alterações. As principais foram em momentos-chave como a promulgação da Constituição de 1988 e a Reforma Trabalhista do governo Temer, em 2017.
A CLT é considerada um marco porque unificou todas as leis trabalhistas até então existentes no Brasil e inseriu, definitivamente, os direitos dos trabalhadores na legislação brasileira. O objetivo principal foi regulamentar as relações individuais e coletivas do trabalho e sua criação surgiu como uma necessidade constitucional depois da regulamentação da Justiça do Trabalho, dois anos antes, em 1941, também no dia 1º de maio.
Na tentativa de traçar um histórico dessa importante lei, o Brasil de Fato listou as principais mudanças ocorridas na CLT nessas sete décadas.
Constituição de 1946 e Governo Jango
Com o fim do período do Estado Novo e a ditadura de Vargas, a Constituinte do ano de 1946 estabeleceu direitos como o repouso remunerado, a estabilidade do trabalhador rural e o direito de greve.
Em julho de 1962, durante o governo João Goulart, foi instituído o 13º salário e, em março de 1963, a inclusão dos trabalhadores rurais na CLT, concedendo-os direitos semelhantes aos demais empregados. A Lei 4.214 garantiu que camponeses teriam direito a carteira assinada, jornada de oito horas, férias remuneradas e aviso prévio.
Ditadura Militar
Uma das primeiras medidas instituídas pelo regime militar foi a intervenção estatal sobre os sindicatos, cuja margem de atuação ficou severamente prejudicada, pelo menos até o surgimento do Novo Sindicalismo, nos anos 70. Com a Lei 4330, promulgada logo em junho de 1964, o direito de greve foi mutilado.
Assembleias gerais deveriam ser convocadas com dez dias de antecedência e suas convocatórias, publicadas nos jornais locais. Para deliberar quaisquer paralisações, sindicatos deveriam organizar dois turnos de reuniões e, uma vez que esse processo se concluísse, só poderiam iniciar seu movimento em um prazo mínimo de cinco dias.
Aos funcionários públicos proibiu-se totalmente direito de greve, enquanto aos demais trabalhadores ela poderia ser imediatamente suspensa por decisão da Justiça do Trabalho. Essas restrições combinadas com o conjunto das repressões perpetradas pela Ditadura, acabariam por engessar o movimento dos trabalhadores até o surgimento do novo sindicalismo, no final da década de 70.
Em 1966 é criado o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Sob pressão da classe patronal, os militares argumentavam que o regime de estabilidade decenal – em que o trabalhador ganhava estabilidade após dez anos de trabalho – seria muito oneroso para patrões e empregados, por isso resolvem instituir uma alternativa que permitiria ao empregadores demitir com maior facilidade e menor custo.
Constituição de 1988
Com a constituinte de 1988, a sociedade civil organizada pressionou por mais avanços e, mesmo com as contradições de uma carta escrita, ao mesmo tempo, por ruralistas e defensores dos sem-terra, empresários e sindicalistas, os trabalhadores e seus representantes conseguem garantir direitos importantes, como a proteção contra a demissão arbitrária, o piso salarial proporcional, a licença-maternidade, a irredutibilidade salarial e a jornada semanal de 40 horas.
Reforma trabalhista
Sancionada pelo presidente Michel Temer no dia 13 de julho de 2017, a reforma trabalhista era uma das principais bandeiras dos setores que deram um golpe parlamentar contra a presidenta eleita Dilma Rousseff, em meados de 2016. Com o argumento de que era preciso reduzir os custos do trabalho para gerar empregos e fazer a economia voltar a crescer, o governo federal conseguiu aprovar um pacote de alterações drásticas no direito trabalhista brasileiro, fragilizando os empregados e fortalecendo os patrões.
A Lei 13.467 foi aprovada mesmo sendo impopular e sob a oposição das centrais sindicais, movimentos populares e partidos de esquerda.
Especialistas contrários à lei afirmam que o principal retrocesso implementado foi a prevalência do negociado sobre o legislado. Isso significa que o resultado de negociações entre patrões e funcionários pode ser um contrato de trabalho que rebaixa direitos históricos, como a extensão da jornada de trabalho, participação nos lucros da empresa, banco de horas e o tempo dos intervalos de descanso.
Pela legislação, entretanto, direitos como o seguro desemprego, salário mínimo, 13º salário, férias e licença maternidade/paternidade continuam inegociáveis.
“A reforma trabalhista tem uma engenhosidade, que é colocar essa ideia de que pode prevalecer o negociado sobre o Legislado em tudo que não contraria a Constituição. Então, tirando a parte coletiva – em que a reforma foi mais explícita porque o objetivo era mesmo destruir o movimento sindical – fechou-se a ideia de fazer uma reforma ampla, não apenas pontual, em que você pode flexibilizar os direitos legais por meio da atuação sindical. Mas o sindicato está fraco, sem condição de resistir, [então] acaba se encaminhando uma destruição dos direitos do trabalho”, diz Flávio Roberto Batista, professor de direito do trabalho na USP.
A reforma também passou a prever o trabalho intermitente. Nela o empregado exerce sua função sem um horário definido de trabalho, ficando à disposição do patrão durante determinados períodos do dia, sem receber por isso. Ao mesmo tempo foi levantada a restrição ao trabalho de mulheres gestantes em locais de insalubridade “média” ou “baixa”. A jornada diária de 12 por 36 horas passou a ser permitida e o direito de férias fracionado em até três vezes.
Para Valquíria Padilha, professora da Faculdade de Economia e Administração (FEA) no campus de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), a reforma não representa uma mudança de paradigmas, apenas a velha tentativa dos patrões de, constantemente, aumentar lucros e reduzir custos de suas operações.
“O capitalismo brasileiro é burro. Os empresários dão tiro no pé. O salário do brasileiro é um dos mais baixos do mundo, enquanto o custo de vida é um dos mais altos. Isso é um tiro no pé para o próprio capitalista porque o trabalhador vai perdendo poder de consumo”, coloca ela.
Para Palmeira, há um discurso de ênfase no individualismo e na suposta liberdade de escolha que, repetido à exaustão, ajudou a construir as fundações ideológicas da reforma Trabalhista: “No debate neoliberal da liberdade do mercado alega-se que o indivíduo não pode ser tutelado pelo Estado sob forma nenhuma. Eles repetem essas máximas: liberdade para o indivíduo, ele que negocie conforme seus interesses”, diz ela.
Outro lado
“A CLT estava engessada, com leis muito distantes da realidade. Um exemplo era a terceirização, que já era praticada no Brasil há vários anos e não tinha legislação específica. Vários outros dispositivos já não eram mais usados, como a estabilidade decenal. Essa reforma trouxe muitas alterações importantes, mas não tirou direitos, como é amplamente dito. O que eles tentaram foi otimizar a relação de emprego”, argumenta Suely Gitelman, professora de direito do trabalho na Pontifícia Universidade Católica-SP, que diz ter gostado da reforma.
Para ela, a prevalência do negociado sobre o legislado não abre caminho para a perda de direitos do lado dos trabalhadores: “Vai continuar a fiscalização do Ministério do Trabalho, do Ministério Público do Trabalho, os sindicatos vão ficar de olho e também não vão assinar algo que tire direitos”.
Ainda assim, ela faz ressalvas: “Não posso deixar de admitir que algumas coisas, com essa reforma trabalhista, trouxeram um abalo para os trabalhadores. Eu te dou o exemplo das reclamações trabalhistas. Agora os trabalhadores são cobrados em honorários advocatícios. Então se perdem o processo, tem que pagar o advogado da empresa, e isso diminui em quase 50% o número de reclamações trabalhistas, as pessoas tem medo de perder”.
Edição: Aline Carrijo