Entidade e parlamentares se queixam que governo ainda não apresentou dados estatísticos detalhados sobre a PEC 6
Cristiane Sampaio
Brasil de Fato
A polêmica em torno da liberação dos dados que teriam subsidiado a reforma da Previdência proposta pelo governo de Jair Bolsonaro (PSL) segue em alta nesta semana, mesmo em meio à pausa legislativa dada pelo Congresso Nacional por conta do feriado de 1º de Maio.
A não divulgação, por parte do Ministério da Economia, de pareceres e dados estatísticos detalhados tem mobilizado não só parlamentares de oposição, mas também a sociedade civil organizada, como é o caso da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip).
Nas últimas semanas, a entidade solicitou ao governo informações oficiais, como microdados e cálculos atuariais, por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), mas afirma não ter sido atendida. Após reunião com representantes do Ministério nessa quinta-feira (2), o presidente da associação, Floriano Sá Neto, disse ao Brasil de Fato que a pasta afirmou não ter condições de apresentar dados específicos sobre o Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e sobre a situação previdenciária dos militares, por exemplo, porque seriam “informações complexas”.
O RGPS trata dos trabalhadores cujos contratos são regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), enquanto o segmento dos militares é abrigado no chamado Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), que aglutina os servidores públicos.
Ao defender a reforma, o governo tem dito, por exemplo, que 80% da economia que estaria sendo prevista para os cofres públicos com a reforma viriam do RGPS. Diante da blindagem dos dados, a Anfip afirma que as análises técnicas e o debate público sobre a PEC estariam comprometidos.
“Os nossos pedidos são complexos. São pedidos de bases de microdados e, principalmente, as premissas atuariais, porque nós queremos fazer conta. A resposta [do governo] atendeu muito pouco do que a gente imaginava. A forma como a Anfip vai se posicionar e vai orientar os deputados está comprometida em 80%. Nossa avaliação é taxativa: sem a apresentação de todo esse arcabouço numérico, não é possível fazer um debate às claras”, afirmou Floriano Sá Neto.
Transparência
A questão da transparência em torno dos números que circundam a reforma tem sido um dos pontos-chave da luta travada pela oposição em relação à medida, que terá o mérito avaliado agora por uma comissão especial criada na Câmara dos Deputados no último dia 24.
No capítulo anterior da disputa, o governo conseguiu aprovar a PEC na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa após costurar um acordo com o chamado “centrão”, que reúne diferentes partidos de direita do campo liberal, mas não divulgou o detalhamento dos cálculos que estariam por trás da medida.
O problema veio à tona no último dia 21, quando o jornal Folha de São Paulo denunciou que o Ministério da Economia havia imposto sigilo sobre os dados.
Após reações por parte de parlamentares, especialistas e sociedade civil organizada, que apontaram ilegalidade na medida, o governo divulgou, no dia 25 de abril, uma nova projeção, afirmando, entre outras coisas, que, caso seja aprovada da forma como está, a PEC poderia gerar R$ 1,236 trilhão de economia em uma década. O cálculo supera em 15% a projeção inicial e foi apresentado pelo secretário de Previdência do Ministério, Leonardo Rolim.
Na sequência, a oposição se queixou pelo fato de o governo não ter atendido a demanda sobre a divulgação de cálculos específicos. “Os dados que chegaram foi o de um diagnóstico que é absolutamente frágil, não é completo e tampouco demonstra a necessidade da reforma”, afirma a líder da minoria, Jandira Feghali (PCdoB-RJ).
A questão da transparência dos números também se liga à demanda da oposição de que a comissão especial da PEC cumpra os prazos regimentais previstos para a tramitação desse tipo de proposta. Pelas normas da Casa, a reforma deverá ser objeto de pelo menos 40 sessões no colegiado. No entanto, representantes do governo têm defendido uma aceleração da tramitação e dos debates, como é o caso do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Na última terça (30), o presidente da comissão, deputado Marcelo Ramos (PR-AM), divulgou um calendário prévio que projeta 11 audiências públicas durante o mês de maio, além do debate e da votação da proposta em junho. A previsão foi articulada juntamente com o vice-presidente do colegiado, Silvio Costa Filho (PRB-PE), e com o relator da proposta, Samuel Moreira (PSDB-SP), mas, segundo Ramos, ainda será debatida com líderes das bancadas.
A liderança da minoria agendou uma reunião com o presidente para a próxima terça (7) para conversar sobre a questão. Jandira Feghali informou que a oposição irá batalhar pelo cumprimento dos prazos regimentais e pelo detalhamento da discussão.
“Se é a comissão de mérito que precisa analisar profundamente a proposta, [se] nós ainda não temos os dados de impacto orçamentário e fiscal e a proposta impacta a vida de 200 milhões de brasileiros, nós queremos todas as audiências públicas necessárias. Esse será o nosso esforço junto ao cronograma e à dinâmica da comissão”, afirma a líder.
Público
A presença de setores da sociedade civil organizada nas sessões da comissão especial também deverá ser uma batalha para a oposição nesta fase da PEC na Câmara.
Durante a tramitação na CCJ, a ala governista vetou a participação do campo popular nas sessões sob a alegação de que seria preciso restringir o acesso à comissão por razões de segurança e porque o debate seria somente de constitucionalidade, e não de mérito. A entrada foi permitida somente a deputados, assessores e jornalistas.
A vice-líder da bancada do PT na Casa, Erika Kokay (DF), afirma que a oposição pretende travar um embate já na próxima semana para garantir a participação social no colegiado.
“É inadmissível que a população e, particularmente, os segmentos mais atingidos não participem dessa discussão. Agora, que vai se avaliar o mérito [da PEC], não tem por que o governo negar que nós tenhamos as audiências públicas pra fazer a escuta da sociedade, que vai ter sua vida impactada pela reforma”, defende a parlamentar.
Governo
O Brasil de Fato procurou ouvir o Ministério da Economia a respeito do detalhamento dos dados sobre a reforma, mas não obteve retorno oficial da assessoria de imprensa da pasta até o fechamento desta matéria.
Edição: Vivian Fernandes