Flexibilização no acesso a armas e munições para atiradores preocupa especialistas

Flexibilização no acesso a armas e munições para atiradores preocupa especialistas

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O Globo — Assinado nesta terça-feira pelo presidente Jair Bolsonaro, o decreto que flexibiliza o acesso a armas de fogo e a munições para os CACs — como são chamados colecionadores, atiradores e caçadores — provoca preocupação entre especialistas em segurança pública. Eles chamam atenção para dois aspectos da categoria: o número elevado de armas atualmente permitidas (pode chegar a 16) e a licença para ter calibres restritos. Ampliar a circulação desse armamento, segundo pesquisadores, refletirá em aumento da violência no país.

— É uma categoria que já acessa um número maior de armas e até restritas, ao contrário dos demais civis que podem ter até quatro armas, segundo decreto do próprio presidente no início do ano. Então, o impacto para a segurança pública é maior— afirma Bruno Langeani, gerente do Instituto Sou da Paz.

Ele aponta que estudos já demonstraram que a arma de fogo é potencializador de assassinatos, sobretudo em um país como o Brasil, que tem tradição de resolver conflitos de forma violenta. O grande acervo à disposição dos CACs também se torna uma fonte importante de desvios para o crime, diz o especialista. Para ele, o presidente Bolsonaro usa a caneta como “atalho” para fragilizar a política de controle de armas.

— O presidente está legislando por decreto, sabendo que há uma opinião pública desfavorável à posse e ao porte de arma. Ele pega um atalho para fazer essas mudanças— diz Langeani.

Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, afirma que Bolsonaro passa por cima do Congresso ao fazer mudanças significativas na política sobre armas de fogo na base da caneta, com medidas “goela abaixo da população para agradar a um segmento específico”. Para ele, a agenda armamentista do presidente, além de ser contrária aos princípios da legislação vigente, o Estatuto do Desarmamento, vai piorar a violência.

— Ele força a mão em uma agenda descolada de todas as evidências que existem, com dados e pesquisas, na área da segurança. E faz isso com truculência, sem abrir o debate — diz Lima.

Já o presidente do Instituto de Criminalística e Ciências Policias (Inscrim), José Ricardo Bandeira, vê uma “reivindicação justa” dos CAC na busca por flexibilizar as regras de transporte de armamentos.

— Isso vai representar, é verdade, alguns milhares de pessoas andando armadas pelas cidades. Mas são pessoas que já cumprem determinadas exigências e são submetidas à fiscalização do Exército — argumenta Bandeira, que faz uma ressalva: — O que a gente não pode permitir é que o cidadão sem treinamento leve uma arma para a rua. Acredito que não temos preparo para dar porte de arma a todo cidadão.

Embora o presidente tenha apontado, ao anunciar nas redes sociais que editaria novas regras, que o objetivo era “facilitar a vida” dos CACs, a categoria nunca cresceu tanto. A concessão de novos registros saltou 879% em cinco anos, segundo dados do Exército, responsável por regular a atividade do grupo. Passou de 8.988 em 2014 para 87.989 em 2018, conforme mostrou o GLOBO.

No final do ano passado, o número de licenças ativas de CAC era de 255.402. O arsenal em poder da categoria também explodiu, de 272.242 armas para 350.683 no período analisado, crescimento de 54%.

O grupo reivindica liberdade para circular livremente com as armas. Hoje, em função de uma portaria de 2017, os atiradores podem transportar uma arma carregada do local de guarda ao de treino ou competição. Antes, todo o acervo tinha que ser levado sem munição.

Outro pleito da categoria é aumentar a validade do registro de CAC, hoje de três anos. Eles também querem facilidades para adquirir armas de fábricas estrangeiras. Atualmente, é preciso uma autorização para isso, após comprovar que não há similar na indústria nacional. Bolsonaro é entusiasta da quebra do monopólio do setor no Brasil, exercido pela Taurus.

Michele dos Ramos, assessora especial do Instituto Igarapé, acredita que a flexibilização das regras para transporte de armas com munição pelos CAC representa, na prática, um conflito com o Estatuto do Desarmamento de 2003 — que previu restrições no porte.

— Além disso, vai na contramão de todas as evidências que mostram que mais armas contribuem para mais violência. O governo precisa avançar em agendas importantes para reverter o quadro de insegurança no país, e não agravá-lo — diz Michele.

Brechas na legislação

A antropóloga Alba Zaluar criticou o que enxerga como “prestígio” a caçadores e colecionadores de armas, categorias com atuação pouco clara no Brasil, no entendimento da especialista, e contempladas dentro dos CAC. Segundo a pesquisadora, o contexto histórico e social do Brasil faz com que o decreto desta terça-feira seja preocupante.

— Causa muita preocupação. É óbvio que o objetivo deste governo é expandir o porte de armas para todos. E a facilidade de movimentação de armamentos só vai facilitar o tráfico dessas armas, que é o que alimenta grupos criminosos — afirma Zaluar.

José Ricardo Bandeira, por sua vez, afirma perdas de armamentos ou acidentes domésticos são mais frenquentes com cidadãos comuns que têm armas em casa, e não com os CAC. O presidente do Inscrim acredita que o decreto de Bolsonaro possa corrigir brechas da legislação atual.

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