O presidente Jair Bolsonaro (PSL) decidiu recuar em alguns pontos e alterar o decreto federal que facilita o porte e a posse de armas no país.
Na BBC
As mudanças foram publicadas no Diário Oficial da União da quarta-feira, 22, em um novo decreto, “sem alterar sua essência”, após “questionamentos feitos perante o Poder Judiciário, no âmbito do Poder Legislativo e pela sociedade em geral”, segundo comunicado da Presidência.
Na prática, as principais alterações envolvem regras para o embarque de passageiros armados em voos no Brasil, um veto explícito ao “porte de arma de fuzis, carabinas, espingardas ou armas ao cidadão comum” e uma validade clara de dez anos para a autorização de porte de armas.
Publicado no dia 7 de maio, o decreto original foi alvo de diversos questionamentos na Justiça e críticas de especialistas. Um parecer da Câmara dos Deputados afirmou que o texto continha ilegalidades, e o Supremo Tribunal Federal (STF) analisa uma ação da Rede Sustentabilidade que questiona sua constitucionalidade.
O Senado também elaborou uma nota técnica apontando diversos problemas no decreto original – a Casa falava em “extravasamento” de poder do presidente ao tentar forçar uma decisão contrária à lei vigente sem passar pelo Legislativo.
Não é possível afirmar ainda se as alterações feitas serão suficientes para sanar críticas e questionamentos na Justiça.
Entenda as principais mudanças.
Passageiros armados em aviões
O novo decreto (nº 9.797/19) revogou o Artigo 41 do decreto original. O texto transferia o poder de estabelecer as normas de segurança ligadas ao embarque de passageiros armados em aeronaves no país – a atribuição deixaria de ser da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e passaria para os ministérios da Defesa e da Justiça e Segurança Pública.
O texto anterior causou reações negativas no setor aéreo nacional, que temia perder espaço no mercado global por não se adequar a regras internacionais. O país passará na semana que vem, inclusive, por uma auditoria da Organização da Aviação Civil Internacional (Oaci).
Agora, com o novo decreto, a atribuição volta à Anac, que em resolução de 2018 endureceu as regras de embarque para passageiros com armas. Segundo o órgão, as mudanças foram feitas em função de práticas internacionais.
Apenas agentes públicos podem ser autorizados pela Polícia Federal a embarcarem com armas e munições, e em situações específicas, como “escolta de autoridade, testemunha ou passageiro custodiado”.
Um dos principais defensores da flexibilização do embarque com armas e munições é o deputado federal e filho do presidente Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), que apresentou um projeto de lei sobre o tema. Segundo o texto, o objetivo é combater “ações criminosas e terroristas”.
Fuzis para cidadãos comuns
O governo Bolsonaro também revisou o trecho do decreto de 7 de maio de 2019 que poderia abrir brechas para a compra de fuzis por cidadãos comuns.
O texto original havia elevado o limite da energia cinética das armas a serem compradas de 407 joules – um revólver de calibre 38, por exemplo – para 1.620 joules, que abarcaria pistolas 9 mm, carabinas semiautomáticas e o fuzil semiautomático T4, da fabricante brasileira Taurus.
Segundo reportagem veiculada pela TV Globo no dia 20 de maio, a Taurus afirmou ter uma fila de espera de 2.000 clientes para a aquisição do T4, usado por forças especiais militares. A empresa, cujas ações negociadas na Bolsa tiveram alta de 7% graças a essa possibilidade, aguardava apenas a regulamentação do decreto para entregar os fuzis, que podem custar até R$ 10 mil.
Com a alteração no decreto, as ações da empresa caíram 3%. Em 2017, o então deputado federal Jair Bolsonaro posou em um estande de vendas no Rio de Janeiro com esse fuzil, o qual chama de “nosso T4”.
“Você, produtor rural, no que depender de mim, vai ter isso aqui também. Cartão de visita para invasor tem que ser cartucho 762 com excludente de ilicitude, obviamente, a gente mudando o nosso Código Penal”, afirma, mostrando o fuzil, pouco segundos depois de negar ser “garoto-propaganda da Taurus”.
De acordo com informações da fabricante, o modelo automático do T4 tem uma capacidade capaz de disparar entre 650 e 900 tiros por minuto.
Em nota, o Planalto afirma que agora há uma “vedação expressa à concessão de porte de armas de fogo portáteis e não portáteis para defesa pessoal (Art. 20, §6º do Decreto Alterador), ou seja, não será conferido o porte de arma de fuzis, carabinas, espingardas ou armas ao cidadão comum”.
Validade do porte de armas e outras lacunas
As mudanças publicadas pelo governo federal fazem uma série de reparos ao texto anterior, de 7 de maio, tanto do ponto de vista formal (erros de pontuação e de referências a trechos do texto, por exemplo) quanto de imprecisões ou lacunas que poderiam dar margem a interpretações divergentes e questionamentos na Justiça.
Um dos principais pontos diz respeito à validade do porte de arma de fogo. O decreto original não estabelecia validade para o porte, nem área de vigência – e a determinação desses dois fatores é exigida pela legislação. Antes, o texto afirmava que a renovação seria feita a cada dez anos, mas não estabelecia um prazo de validade para a autorização de andar armado fora de casa ou do local de trabalho.
Outra alteração cria categorias de produtores rurais que terão autorização de posse de armas. Segundo nota do Planalto, a permissão será “concedida apenas para domiciliados em imóvel rural, considerado aquele que tem a posse justa do imóvel rural”.
Essa distinção pode dar margem a impedir, por exemplo, que trabalhadores rurais sem terra recebam essa autorização – a lei afirma que “é justa a posse que não for violenta, clandestina ou precária”.
O chamado decreto alterador também preenche diversas lacunas do texto original, como uma autorização clara para integrantes das forças de segurança adquirirem armas de fogo de uso restrito, fixação de idade mínima para prática de tiro esportivo (14 anos) e veto à venda de armas de fogo não portáteis no comércio.