Mudança amplia prazo para desmatamento sem exigência de regeneração ou compensação
Angela Boldrini
Na Folha de São Paulo
Em votação capitaneada pela bancada ruralista, a Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (29) por 243 a 19 votos o texto-base de medida provisória que flexibiliza partes do Código Florestal.
Ainda estão sendo debatidos os destaques, que podem retirar do texto os jabutis (jargão para artigos estranhos ao tema original do texto) que beneficiam proprietários que desmataram áreas de reserva legal.
No entanto, como a bancada ruralista tem grande força no Congresso, o provável é que as alterações sejam mantidas.
Entre elas, está uma mudança no artigo 68 do código, considerada por ambientalistas a mais importante, que estabelece um novo marco temporal para exigir a restauração de área desmatada em diferentes biomas —na prática, ampliando o prazo para o desmatamento sem compensação.
Pelo Código Florestal de 2012, vigente hoje, estavam desobrigados de promover a recomposição da mata os proprietários que tivessem desmatado antes de 1965, quando uma lei estabeleceu percentuais de 50% de preservação da Amazônia e 20% para as demais vegetações do país. A partir dessa data, precisariam cumprir a regra.
Os ruralistas esticaram o prazo da desobrigação tomando como base os anos em que determinados biomas passaram a ser explicitamente citados na lei.
No caso do cerrado, por exemplo, o início da proteção será considerado como 1989. Já no caso dos pampas e do Pantanal, em 2000.
Segundo os ambientalistas, porém, estas áreas já estavam preservadas pela legislação dos anos 1960, embora o texto trouxesse referência às regiões do país (como sul, leste meridional etc) e não ao tipo de vegetação característica.
Hoje, o valor que deve ser preservado nas propriedades é de 80% na Amazônia, 35% no cerrado amazônico, 20% em outros biomas, como pampas, cerrado, Pantanal e Mata Atlântica.
Segundo ambientalistas do Observatório do Código Florestal, a aprovação da medida provisória pode significar que 5 milhões de hectares de vegetação nativa (a metade da demanda atual e uma área que equivale a duas vezes o estado de Sergipe) deixem de ser recompostos, compensados ou regenerados.
“Você que desmatou o cerrado até 1989 está liberado, que desmatou o Pantanal até 2000, está liberado. É uma anistia sem cabimento nenhum, as próprias indústrias agroexportadoras são contrárias ao texto. Isso vai ter consequências internacionais”, disse o deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP), presidente da Comissão de Meio Ambiente da Casa. “Uma das consequências imediatas é que alguns países podem suspender a compra de produtos agrícolas brasileiras.”
Já os defensores da medida dizem que as alterações na medida provisória trazem segurança jurídica para produtores. “Ninguém preserva tanto quanto o Brasil e o produtor brasileiro”, afirmou o deputado Celso Maldaner (MDB-SC). O argumento é que a área já tem desmatamento consolidado.
“O que estão querendo é fazer o cidadão, que fez manejo da terra dele, coberto por uma lei de 1965, tenha que recompor pela lei de 2000. Ninguém terá condições de fazer isso”, afirmou o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, Alceu Moreira (MDB-RS).
O texto original da medida, editada por Michel Temer, prorrogava o prazo de adesão de produtores ao Programa de Regularização Ambiental, um programa de ações de recuperação ambiental obrigatório instituído no Código Florestal, até dezembro de 2019, com possibilidade de extensão até 2020.
No texto do relator, Sérgio Souza (MDB-PR), o prazo de adesão é prorrogado indefinidamente, e estabelece que o proprietário deve aderir ao PRA apenas se este for notificado pelo órgão responsável.
Segundo uma carta endereçada aos deputados escrita pelo grupo Ciência e Sociedade, composto por mais de 50 cientistas, a mudança no prazo também preocupa os ambientalistas.
“Alterar a forma de conduzir o PRA é ignorar todo o esforço e recursos que foram empreendidos nos estados na elaboração das normas de regularização ambiental, podendo levar à paralisação das regulamentações em curso nos estados com normativas já estabelecidas. Além disso, resulta em insegurança jurídica em um processo que exige colaboração e confiança junto ao setor produtivo”, diz o texto.
Deputados da oposição tentaram aprovar requerimento para que o texto original da MP editada por Temer fosse votado, mas perderam.