Filme de Petra Costa faz a autópsia de um país chamado Brasil

Filme de Petra Costa faz a autópsia de um país chamado Brasil

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Por Ricardo Kotscho, do Balaio do Kotscho e do Jornalistas pela Democracia – Ao final das duas horas e um minuto de exibição, me senti zonzo como se tivesse tomado uma porrada na cara.

“Democracia em Vertigem” é o documentário brasileiro mais importante do período pós-ditadura militar, um libelo político e profundamente humano sobre a grande tragédia que assola o país.

Diretora, produtora, roteirista e narradora, a jovem cineasta mineira Petra Costa, 35 anos, formada na Universidade de Columbia, conta a história recente do Brasil, tendo como pano de fundo a sua trajetória pessoal e a da sua família.

Parece ficção, mas é tudo dramaticamente real neste filme produzido com imagens e diálogos captados no calor dos acontecimentos que levaram ao golpe de 2016.

Neste filme, que estreou na última quarta-feira na Netflix, a narrativa vai se encadeando de tal forma, cena após cena, que só podia dar no que deu.

Tudo que foi omitido dos brasileiros ao longo dos últimos poucos anos, em que o país foi virado de pernas para o ar, é apresentado ali como uma velha e boa reportagem, sem censura, sem firulas e sem tomar partido.

Assisti ao filme sábado no telão do auditório de um convento, em Interlagos, junto com mais de 100 amigos, que celebravam ali os 40 anos dos nossos grupos de oração.

Foi o nosso retirão espiritual para recarregar as energias do corpo e da alma, como fazemos uma vez por ano, com os grupos de São Paulo, Rio e Minas, reunindo gente de todos as idades, profissões, classes sociais, credos religiosos, preferências sexuais, esportivas e partidárias.

Tem até ateus e abstêmios nestes grupos _ a mais completa salada da nossa diversidade social e cultural.

Como todos assistiram ao filme no mais absoluto silêncio, sem ninguém ter combinado, pensei que, ao final, em torno de uma farta mesa de comes e bebes, saísse um grande debate sobre o que, afinal, cada um tinha achado.

Que nada. Acho que não fui só eu que fiquei absolutamente perplexo com o final do filme em que Moro foi nomeado ministro de Bolsonaro e Lula continuava preso.

Disso todos já sabíamos, mas como chegamos a este desfecho?

É isso que Petra e seu filme procuraram fazer o tempo todo: revelar, de forma bem didática, todas as trágicas farsas jurídicas e midiáticas, desde as jornadas de junho de 2013; depois, da Lava Jato para combater a corrupção, com o único objetivo de derrubar Dilma e prender Lula, com Supremo e com tudo, para devolver o país aos antigos donos do poder; acabar com a soberania nacional e os direitos trabalhistas, entregar a Amazônia e o pré sal, armar as milícias da nova ordem e instaurar um regime de terror.

Sem saber o que dizer depois da porrada que todos levamos no meio da testa, os orantes-retirantes falaram de tudo, menos do filme.

Fiquei com a impressão de que sobre a mesa estava, com as entranhas abertas, um morto autopsiado pelo filme, e era melhor mudar de assunto, já que nada mais havia a fazer.

Ninguém chorou, nem falou bem ou mal do defunto, era apenas uma tácita constatação.

Só me lembro de ter ouvido um comentário: “Essa tragédia está só começando, não vimos nada ainda”.

E o que pode acontecer depois da morte?

Eu, que não acreditava em ressurreição, passei a botar fé, por absoluta necessidade de sobrevivência, sem ter a menor ideia de como isso poderia se dar.

Chega uma hora no filme em que tudo parece inverosímel, um delírio da diretora.

Demorei a pegar no sono, com medo de ter pesadelos.

Mas acordei mais animado, e pensei: aquele Brasil pode ter morrido, mas nós continuamos vivos, apesar de tudo.

E enquanto sobrevivermos, animados por um cara chamado Frei Betto, o nosso Posto Ipiranga, que inspirou a criação destes grupos, 40 anos atrás, nos estertores da ditadura militar, há esperanças.

Só não podemos perder a esperança e o bom humor.

Vida que segue.

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