Mudanças, cortes e manifestações: os seis números que resumem os seis meses da Educação na gestão Bolsonaro

Mudanças, cortes e manifestações: os seis números que resumem os seis meses da Educação na gestão Bolsonaro

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Corte bilionário do Ministério motivou os maiores protestos de rua no primeiro semestre

BBC NEWS BRASIL

Nos seis primeiros meses de governo de Jair Bolsonaro, poucos ministérios despertaram tanta polêmica e debate quanto o da Educação.

Citada pelo presidente como área que seria prioritária em sua gestão, a educação manteve-se sob os holofotes do país inteiro nos primeiros seis meses do governo: foi alvo de um corte bilionário de gastos públicos, o que motivou alguns dos maiores protestos populares de rua registrados neste primeiro semestre.

A redução no orçamento para a área não agradou. Pesquisa de opinião divulgada nesta semana pela CNI/Ibope, na quinta-feira (27/6), aponta que o índice de desaprovação popular com as políticas educacionais de Bolsonaro subiu de 44% para 54% entre abril e junho, puxando para baixo a aprovação do governo como um todo. A educação, que antes era a segunda área mais bem avaliada da gestão, caiu para a quinta.

Pessoa escreve em papel
A educação manteve-se sob os holofotes do país inteiro nos primeiros seis meses do governo – Fiocruz Imagens

A seguir, a BBC News Brasil aponta seis números que relembram a trajetória do Ministério da Educação (MEC) nos primeiros seis meses de governo Bolsonaro:

DOIS MINISTROS (E MUITAS TROCAS EM CARGOS TÉCNICOS)

Abraham Weintraub é o segundo ministro a comandar o MEC desde o início do governo.

Antes dele, o titular da pasta era Ricardo Vélez Rodríguez, demitido em 8 de abril em meio disputas entre diferentes alas dentro do ministério —críticos diziam que o MEC estava dividido entre ideológicos ligados a Olavo de Carvalho, militares e técnicos— e depois de diversas medidas polêmicas do ministro.

As principais delas: Vélez havia pedido que escolas filmassem os alunos cantando o hino nacional, mas voltou atrás quando veio à tona que ele não tinha autorização parental para isso; ele também defendeu, em entrevista ao jornal Valor Econômico, revisar os livros didáticos para mudar a forma como eles retratam o golpe de 1964 e a ditadura militar.

As trocas de cargos no MEC não ficaram restritas ao primeiro escalão: o Inep, instituto responsável pelo Enem e por diversas outras avaliações do ensino brasileiro, está em seu quarto presidente desde a posse do novo governo. A secretaria-executiva do ministério teve cinco nomes publicamente indicados ao posto.

Para muitos analistas de educação, isso favorece a paralisação de importantes programas do MEC, com potenciais prejuízos à já problemática educação brasileira.

R$ 5,8 BILHÕES CONTINGENCIADOS

A partir do final de abril, a atenção do país se voltou ao orçamento do MEC, a partir da declaração de Weintraub de que seriam cortadas as verbas de universidades federais que não tivessem desempenho satisfatório e promovessem “balbúrdia” nos campi.

Mais tarde, o corte foi estendido a todas universidades federais, inicialmente anunciado como 30% da verba total e, depois, 30% do orçamento discricionário (ou seja, de gastos não obrigatórios), o equivalente a mais de R$ 1,5 bilhão.

Mas o contingenciamento se estendeu também a outros institutos federais de educação, à concessão de bolsas (veja mais abaixo) e até a programas ligados à educação básica, área considerada prioritária pelo próprio governo.

No total, segundo o MEC, estão contingenciados atualmente R$ 5,8 bilhões do orçamento de áreas diversas da pasta.

Fachada iluminada da UFPR
Protesto diante da UFPR, em Curitiba; orçamento das universidades federais entrou em debate após anúncio de cortes – Reuters

Dados do Sistema Integrado de Administração Financeira do governo federal, obtidos pela BBC News Brasil com a ONG Contas Abertas, apontam que o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), por exemplo, teve congelado quase R$ 1 bilhão, ou 21% de seu orçamento para 2019. O FNDE financia livros didáticos, transporte escolar e auxílio à formação de professores na educação básica, entre outras coisas.

Em vídeo que se tornou célebre, em 9 de maio, Weintraub e Bolsonaro usaram chocolates para explicar o bloqueio de recursos nas universidades. “A gente não está falando para a pessoa que a gente vai cortar. Deixa para comer (o chocolate) depois de setembro (após a reforma da Previdência)”, declarou o ministro.

3.474 BOLSAS CORTADAS

Na esteira do contingenciamento de gastos, a Capes (fundação vinculada ao MEC que concede bolsas de pós-graduação) anunciou em maio cortes em seu orçamento, o que gerou novas críticas da comunidade acadêmica, ante o grande impacto potencial da medida sobre a produção acadêmica do país.

Segundo a Capes, porém, todas as bolsas já concedidas serão mantidas, no Brasil e no exterior. A entidade afirma ter feito um “bloqueio preventivo” de 3.474 bolsas que ainda não haviam sido concedidas para estudantes.

DOIS PROTESTOS POPULARES PELA EDUCAÇÃO (E POLÊMICAS NAS REDES SOCIAIS)

Os cortes de gastos serviram de gatilho para mobilizações populares pela educação, que levaram milhares de pessoas às ruas do país em duas ocasiões: 15 de maio e 30 de maio.

Nas duas ocasiões, as reações do governo foram polêmicas.

Em 15 de maio, Bolsonaro chamou os manifestantes de “idiotas úteis” e afirmou que a maioria deles eram militantes.

Imagem aérea de multidão em protesto
Protesto em SP em 30 de maio foi reação a contingenciamento de gastos na educação – AFP

“Não sabem a fórmula da água. São uns idiotas úteis, uns imbecis, sendo usados como massa de manobra de uma minoria espertalhona que compõe o núcleo de muitas universidades federais no Brasil”, declarou o presidente.

Em entrevista posterior, ele afirmou que exagerou ao chamá-los de “idiotas”: “O certo é (que são) inocentes úteis. São garotos inocentes, nem sabiam o que estavam fazendo lá”.

Na segunda manifestação, a polêmica veio de um comunicado do MEC, de 30 de maio, afirmando que “professores, servidores, funcionários, alunos, pais e responsáveis não são autorizados a divulgar e estimular protestos durante o horário e no ambiente escolar”.

Em resposta, o Ministério Público Federal pediu uma retratação pública do MEC e recomendou que o ministério “se abstenha de cercear a liberdade dos professores, servidores, estudantes, pais e responsáveis pela prática de manifestação livre de ideias e divulgação de pensamento”.

O MEC afirmou que sua nota inicial “respeita fielmente a Constituição e tem o propósito de alertar para o eventual uso indevido de instituições públicas fora de suas finalidades legais para atender interesse ou ideologia pessoal”.

Além desses dois protestos, a greve geral realizada em 14 de junho também teve como uma de suas bandeiras a crítica aos cortes na educação.

Por fim, as manifestações do ministro Weintraub nas redes sociais também chamam a atenção. Numa das mais famosas, ele apareceu com um guarda-chuva para dizer que “choviam fake news” sobre as verbas do MEC para a reconstrução do Museu Nacional.

Abraham Weintraub com guarda-chuva
Vídeo de Abraham Weintraub sobre verbas para a reconstrução do Museu Nacional – Reprodução/Twitter

Algumas postagens mais recentes, porém, foram mais polêmicas. Ao comentar o caso do oficial da FAB (Força Aérea Brasileira) detido na Espanha pelo transporte de 39 kg de cocaína, ele escreveu: “No passado o avião presidencial já transportou drogas em maior quantidade. Alguém sabe o peso do Lula ou da Dilma?”, ao que o PT respondeu que pretende processar o ministro.

Sobre o mesmo tema, Weintraub escreveu: “Tranquilizo os ‘guerreiros’ do PT e de seus acepipes: o responsável pelos 39 kg de cocaína NADA tem a ver com o Governo Bolsonaro. Ele irá para a cadeia e ninguém de nosso lado defenderá o criminoso. Vocês continuam com a exclusividade de serem amigos de traficantes como as FARC.” O curioso, nesse caso, é o uso da palavra “acepipes”, que quer dizer “petiscos”. A suposição é que Weintraub quisesse dizer “adeptos” ou “asseclas”.

QUATRO TEMAS QUENTES

A falência, no início de abril, da gráfica que imprimiria as provas do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) e o troca-troca no comando do Inep (órgão responsável pelo exame) suscitaram dúvidas quanto a se será possível cumprir o calendário da prova, para a qual há mais de 5 milhões de estudantes inscritos.

Como o Enem requer um forte esquema de segurança e logística, sua impressão tem de ocorrer com meses de antecedência.

Em 21 de maio, o MEC anunciou contrato com a gráfica Valid para imprimir a prova e afirmou que o calendário dos exames está mantido. “Como anunciado, o Enem 2019 será aplicado nos dias 3 e 10 de novembro”, declarou Weintraub. “Os participantes podem ficar tranquilos porque todas as datas serão cumpridas. A prova está sendo preparada e a gráfica, de segurança máxima, está garantida.”

No Twitter, Weintraub falou que “é mentira que o Enem esteja sob risco”. “O Enem está garantido. Continue estudando”, afirmou.

Rodrigo Maia e outros deputados ao seu redor na Câmara
Fundeb precisará ser votado no Plenário da Câmara, em dois turnos – Luis Macedo/Câmara dos Deputados

A realização do Enem é um entre ao menos quatro temas urgentes a serem enfrentados pelos dirigentes da educação brasileira neste ano de 2019.

Outro é o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), que é a fonte da maioria dos recursos que financiam a educação básica pública do país.

O fundo tem cerca de R$ 150 bilhões por ano, vindos de impostos como o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) e de transferências federais obrigatórias pela Constituição. O problema é que, por lei, o Fundeb expira no ano que vem, deixando uma grande incógnita sobre qual será o mecanismo de financiamento da educação a partir de 2020.

Há movimentações no Congresso para tentar aprovar uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que torne o Fundeb permanente, mas o tempo é curto: PECs exigem votação em dois turnos no Plenário da Câmara dos Deputados, com os votos de ao menos 3/5 dos deputados.

Do lado do governo, o ministro Weintraub já se mostrou favorável a aumentar o aporte da União ao Fundeb (hoje, 10% dos recursos do fundo vêm do governo federal), atendendo uma reivindicação de agentes da educação pública. “Sou a favor de aumentar os recursos, mas também de cobrar algumas metas”, declarou o ministro em 22 de maio.

Por fim, outras duas sigla em debate atualmente na educação são estas: BNCC e PNE.

A primeira se refere à Base Nacional Comum Curricular, documento que definiu as aprendizagens consideradas essenciais para a educação infantil e o ensino fundamental de todas as escolas públicas e privadas do país. O documento foi homologado pelo MEC (ainda sob o governo de Michel Temer) em dezembro de 2017 e agora precisa ser colocado em prática. O desafio é ainda maior na etapa do ensino médio, que conta com uma Base Curricular específica (aprovada só em 2018), a qual caminha a passos lentos, segundo especialistas ouvidos pela BBC News Brasil.

E a segunda sigla (PNE) se refere ao Plano Nacional de Educação, lei aprovada pelo Congresso em 2014 com 20 metas para a educação do país a serem cumpridas em uma década, até 2024. Chegamos neste ano à metade desse percurso sem que a grande maioria das metas tenha sido cumprida —e a avaliação de especialistas é que praticamente já não há tempo hábil para cumprir muitas delas.

UMA NOVA SECRETARIA-CHAVE

Uma das primeiras medidas do governo Bolsonaro no MEC foi a criação de uma secretaria de alfabetização, em meio a um rearranjo no ministério que levou à extinção de outra secretaria, voltada à promoção da inclusão social na educação.

A nova secretaria de alfabetização está sob o comando de Carlos Nadalim, que foi aluno de Olavo de Carvalho e é crítico de Paulo Freire. A subpasta entrou em uma polêmica em torno de método de alfabetização, diante da sinalização de que o método fônico seria privilegiado em detrimento de outros —o que gerou crítica de especialistas.

O fato é que o problema da alfabetização ainda é crucial no país: cerca de um terço das crianças brasileiras não saem plenamente alfabetizadas do terceiro ano do ensino fundamental.

E, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o Brasil ainda tem 11,3 milhões de pessoas de 15 anos ou mais que são analfabetas —o equivalente a 6,8% da população.

 

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