NA SEXTA, logo após saírem as novas revelações da Vaza Jato publicadas pela Veja em parceria com Intercept, Luciano Hang apareceu ao lado de Sergio Moro dizendo que “o Brasil o ama”. Ele agradeceu as palavras e não demonstrou qualquer constrangimento em aparecer amistosamente ao lado de um condenado por lavagem de dinheiro que deve milhões à Receita Federal e ao INSS. Ninguém pode se dizer surpreso. O dono da Havan simboliza muito bem a atual base de apoio de Sergio Moro.
Mesmo estando moralmente nu após as revelações da Vaza Jato, o ex-juiz ainda é o político mais popular do país e conta com uma legião de políticos dispostos a defendê-lo incondicionalmente. A tropa de choque bolsonarista no Congresso tem se mostrado fiel. Não é pra menos. O herói anti-corrupção mal chegou no governo e já começou a passar pano para a lama bolsonarista. Perdoou o caixa 2 de Onyx Lorenzoni, fechou os olhos para o laranjal do PSL e não se incomodou com as estreitas relações da família Bolsonaro com as milícias. Pelo contrário, o ministro tem se mostrado bastante confortável em integrar o governo da extrema direita.
Nos depoimentos que Moro deu no Senado e na Câmara, os bolsonaristas o exaltaram com um fervor que nem Dallagnol no escurinho do Telegram seria capaz. Ninguém pretende largar o companheiro ferido na estrada. São muitos os parlamentares com coragem para defender publicamente um juiz que cometeu graves ilegalidades no exercício da profissão e influenciou intencionalmente o jogo político. A grande maioria dos defensores de Moro hoje no Congresso é de fundamentalistas religiosos, reacionários, investigados e condenados por corrupção.
São muitos os parlamentares com coragem para defender publicamente um juiz que cometeu graves ilegalidades no exercício da profissão e influenciou intencionalmente o jogo político.
No Senado, o líder do governo Fernando Bezerra Coelho, MDB de Pernambuco, foi quem articulou a ida de Moro à CCJ. Logo ele, um dos alvos da Lava Jato, que há pouco mais de um mês teve seus bens bloqueados pela justiça por desvios na Petrobras. Bezerra gastou boa parte da sua fala inicial tecendo elogios à Lava Jato e ao trabalho do ex-juiz no ministério da Justiça. Moro agradeceu as palavras do colega bolsonarista. Horas mais tarde, quando respondia perguntas de outros deputados, Moro citou o casoem que o emedebista esteve envolvido: “Quantas refinarias se poderia construir se não houvesse essa corrupção disseminada? Tudo aquilo foi vantagem indevida? Propina? Não, é muito dinheiro”. A Lava Jato denunciou Bezerra ao STF em 2016 por receber propina de pelo menos R$ 41,5 milhões de empreiteiras contratadas pela Petrobras para obras na refinaria Abreu e Lima.
Na Câmara, a sessão foi comandada pelo presidente da CCJ, Felipe Francischini, do PSL do Paraná, que deu uma definição perfeita sobre o que ocorria ali: “Parece a Escolinha do Professor Raimundo”. É verdade. E ele, atuando como o professor Raimundo, fez de tudo para poupar Sergio Moro da fúria da oposição. Apesar de elogiar o trabalho de Moro no combate à corrupção, Francischini tem seus esqueletos no armário. Há poucos meses, a justiça do Paraná determinou o bloqueio dos bens do deputado por suspeita de gastos irregulares com alimentação com verba da Assembleia Legislativa do Paraná. Foram mais de R$ 100 mil bloqueados na conta de Felipe Francischini.
José Medeiros, do Podemos de Mato Grosso, disse que a Lava Jato é maior “operação de combate à corrupção do mundo”. Disse também que a Vaza Jato tem dois objetivos: libertar Lula e desconstruir a “figura mítica de Sergio Moro”. É irônico que Medeiros veja o ministro com um herói do combate à corrupção. Em 2015, ele era o segundo suplente da chapa do ex-senador tucano Pedro Taques, que deixou o Senado para assumir o cargo de governador. Quem ocuparia a vaga seria Paulo Fiuza, o primeiro suplente, mas Medeiros adulterou a ata eleitoral, se colocou como primeiro suplente da chapa e roubou a vaga. Fiuza comprovou a fraude, e Medeiros teve o mandato cassado.
“O senhor é um verdadeiro herói brasileiro”, disse Coronel Chrisóstomo, do PSL de Rondônia, cuja candidatura pode ser cassada após pedido da Procuradoria Regional Eleitoral, que identificou fraude no preenchimento de cota de gênero. O caso faz parte do laranjal do PSL, que é alvo de um inquérito da Polícia Federal que corre sob sigilo. Ou melhor, deveria correr sob sigilo. Acontece que Sergio Moro não é um homem que se preocupa em sempre respeitar as leis. Durante viagem ao Japão, o presidente falastrão deixou escapar que Moro lhe deu acesso privilegiado a dados do inquérito que envolvem o seu partido. Ou seja, o ministro cometeu uma gravíssima ilegalidade também no exercício do Ministério da Justiça. A isso chamamos de Estado policial.
Moro fez questão de agradecer a todos esses parlamentares que o elogiaram. São apoios importantes que o ex-juiz certamente jamais irá querer melindrar.
Filipe Barros, PSL do Paraná, ligado ao MBL, talvez tenha sido o bolsonarista que defendeu Moro com mais afinco durante seu depoimento. Bastante nervoso, atacou deputados e se aproveitou do foro privilegiado para chamar Glenn Greenwald de “embusteiro criminoso”. Essa cólera já lhe rendeu um processo judicial por intolerância religiosa. Quando era vereador de Londrina, Barros publicouem seu Facebook um vídeo de uma peça teatral que apresentava uma história sobre as religiões afro-brasileiras. Ele ficou indignado com o que viu: “Na semana da Pátria, a programação para crianças foi: MACUMBA EM FRENTE À PREFEITURA. Se fosse um Culto ou uma Missa, essas mesmas pessoas estariam agora gritando que o Estado é laico. Os pais estavam sabendo? Qual a relação disso com o Dia da Independência do Brasil?” Ele ainda acrescentou: “Pluralismo religioso pra eles é ensino de MACUMBA (sic)”. Barros tem tolerância zero com religiões afro-brasileiras, mas larga tolerância com um juiz que desrespeita a Constituição.
O deputado Herculano Passos, do MDB de São Paulo, disse que “graças ao nobre juiz Sergio Moro, foi possível avançar nas investigações e condenar muita gente que estava envolvida em corrupção e lavagem de dinheiro”. Pois bem. Herculano já foi condenado por transformar seu escritório político em Atibaia em uma fábrica de fake news, usada para difamar seus críticos. Mas isso é fichinha perto do que ele é capaz. O ex-prefeito de Itu também já foi condenado diversas vezes por improbidade e dano ao erário público. Só por improbidade administrativa, foi processado 14 vezes. É um fenômeno.
O auge da bajulação ao ministro ganhou contornos surrealistas quando o deputado Boca Aberta, do PROS paranaense, entregou a Moro uma réplica da taça da Champions League enquanto berrava: “é uma honra estar na frente de V.Exa. hoje. Este homem que está aqui — atenção, Brasil! — é de conduta ilibada e inquestionável, intocável, irrepreensível. Devem todos aqui respeito ao Sergio Moro. Sergio Moro equivale ao troféu da Champions League, a Liga dos Campeões, troféu este que é cobiçado, Exmo. Sergio Moro, pelas maiores estrelas do futebol mundial — Neymar, Messi, Cristiano Ronaldo.” Era a esquete que faltava para a Escolinha do Professor Raimundo.
Quando se olha para a ficha corrida de Boca Aberta, a coisa fica ainda mais divertida. O deputado responde a pelo menos 30 processos, a maioria deles por calúnia, injúria e difamação, mas também por fraude processual e falsificação de documento público. Boca Aberta já chegou a desfilar pela sua cidade, Londrina, com tornozeleira eletrônica por ordem judicial.
Moro fez questão de agradecer a todos esses parlamentares que o elogiaram. São apoios importantes que o ex-juiz certamente jamais irá querer melindrar. Afinal de contas, nem o escancaramento do esquema de corrupção judicial comandado pelo ministro foi capaz de rachar a base de apoio lavajatista no congresso.
Depois de mais de oito horas de sessão, Glauber Braga, do PSOL fluminense, fez uma analogia com futebol e chamou o ministro de “juiz ladrão”. O paraense Eder Mauro, do partido de Bolsonaro, que já defendeu intervenção militar e foi alvo de inquérito no STF por prática de tortura, foi para cima do psolista e por pouco o pau não comeu. A Escolinha do Professor Raimundo pegou fogo, e a sessão teve que ser encerrada. Moro deixou o recinto escoltado pela trupe bolsonarista, uma imagem simbólica da derrocada do herói.
Correção: 7 de julho de 2019, 14h56
Este texto erroneamente identificou Glauber Braga, do PSOL fluminense, como Glauber Rocha, do PSOL carioca. O erro foi corrigido.