Escrevi, mais cedo, que a desgraça do Judiciário brasileiro era tanta que até para tomar decisões corretas era levado pelas razões erradas.
No DCM
Fernando Brito
É evidente que, num estado de Direito, ninguém pode ter arbitrariamente sua vida vasculhada , a não ser a partir de indícios que levem à autorização, excepcionalíssima, para que se rompa seu sigilo bancário ou fiscal.
Não se alegue que isso “dificulta” investigações, num país onde a Justiça autoriza centenas e centenas de conduções coercitivas, com camburões e fuzis e outras tantas prisões provisórias, escancaradamente autorizadas para forçar delações.
Se a Polícia Federal pode, com um simples ofícios, saber tudo sobre as movimentações financeiras de um cidadão, simplesmente não existe mais o sigilo bancário (a propósito, não sou favorável ao sigilo bancário para pessoas jurídicas, que não têm “intimidades” a preservar e o direito à intimidade é o que a Constituição protege).
É duvidoso, duvidosíssimo que este tenha sido o fundamento da decisão de Dias Toffoli para suspender a investigação sobre Flávio Bolsonaro e Fabrício Queiroz (sim, porque vale para ele também). O fundamento, está claro, é o fato de ser o filho de Jair Bolsonaro.
De outro modo, como explicar que esta garantia, ao longo dos anos, tenha sido negada a mesma proteção a centenas ou milhares de pessoas submetidas à mesma devassa pelo Coaf e pela Receita, bastando que um promotor ou um delegado decidam que ela é suspeita?
Será que nenhum deles teve um advogado capaz de atravessar, como no caso de Flávio, uma petição “avulsa” e obter o mesmo?
Por isso disse o que disse: a decisão correta veio por razões espúrias. Mais espúria ainda porque tomada em favor de quem gritava por um Coaf onipotente e uma Polícia e um Ministério Público arbitrários?
Imaginem se durante tantos anos, com as mesmas leis (a do Coaf trocar dados é de 2001), os governos de esquerda tivessem ordenado a devassa das contas de adversários e de empresário?
Talvez seja tarde para que nos reacostumemos ao Estado de Direito. A mídia brasileira criou o amor pelo escândalo, a paixão pela devassa, o frenesi pelo linchamento.