Na Carta Capital – A prisão de quatro supostos autores de ação hacker no celular do ministro Sérgio Moro, nesta terça-feira 23, levantou suspeitas de que a operação da Polícia Federal poderia ser uma investida contra a publicação de mensagens, pelo site The Intercept Brasil, que colocam dúvidas na imparcialidade da Lava Jato.
Em sua conta no Twitter, o editor do Intercept, Leandro Demori, havia dito, em 15 de julho, que “uma parte truculenta e sem escrúpulos das forças de ordem está tramando uma farsa e uma agressão contra a liberdade de imprensa no Brasil”. Após o mandado de prisão dos suspeitos, Demori resgatou a publicação e escreveu: “Atrasou e chegou hoje, pelo visto. Estamos de olho”.
Rafael Moro Martins, também editor do portal, postou em sua rede social que, dias atrás, teve informações de que a Polícia Federal se preparava para tentar desacreditar a autenticidade do material. “A intenção é tão óbvia que está no nome da operação”, diz Martins, em referência à palavra “Spoofing”. Segundo a Polícia, “spoofing” é um tipo de falsificação tecnológica que procura enganar uma rede ou uma pessoa, para que ela acredite que a fonte de uma informação é confiável, quando não é.
O jornalista Glenn Greenwald também foi à internet para reforçar a autenticidade das mensagens reveladas pelo Intercept. “E quem são os procuradores do Ministério Público Federal que confirmaram para [os jornais] Correio Braziliense e El País que os chats são autênticos? E como [o jornal] Folha de S. Paulo e [a revista] Veja confirmaram sua autenticidade? E [o site] BuzzFeed Brasil? E Barroso hoje. Uma montanha de evidências prova que elas são reais”, postou Greenwald. Os veículos citados pelo jornalista também reportaram vazamentos em parceria com Intercept e declararam que, por métodos próprios, confirmaram a veracidade do conteúdo.
Em audiências na Câmara e no Senado, em junho, o ministro Sérgio Moro disse que não reconhece a autenticidade das mensagens divulgadas. Além disso, classificou as reportagens do Intercept como “sensacionalistas” e atribuiu os vazamentos à ação de hackers interessados em anular condenações da Lava Jato e atrasar processos em andamento.
O juiz, autor do mandado de prisão dos supostos hackers, é Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara Federal do Distrito Federal, que já esteve sob holofotes em ocasiões passadas. Chamado de “juizeco”, em 2016, pelo então presidente do Senado Renan Calheiros (MDB-AL), o magistrado ganhou notoriedade em processos relacionados às operações Lava Jato e Zelotes, e tem em suas mãos processos contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Um deles é a denúncia, apresentada em 2016, de corrupção passiva, lavagem de dinheiro, organização criminosa e tráfico de influência, em investigação da Operação Janus sobre facilitação de financiamento de obras da empresa Odebrecht, em Angola, pelo Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Outro processo diz respeito à Operação Zelotes, em apuração de tráfico de influência, lavagem de dinheiro e organização criminosa, sobre supostas irregularidades em negociações na compra de caças suecos e prorrogação de incentivos fiscais a montadoras de veículos. Lula é réu, mas ainda não foi julgado.
O delegado que cumpriu o mandado de prisão é Luiz Flávio Zampronha, o mesmo policial que esteve à frente do inquérito do Mensalão, entre 2005 e 2011. Ele chegou a ser investigado pela Polícia Federal, em 2012, por declarações ao jornal O Estado de S. Paulo sobre a condução do caso, em que questionou a denúncia de uma ex-gerente financeira. Na época, o então relator e ministro, Joaquim Barbosa, afirmou que “em qualquer país decentemente organizado, um delegado desse estaria, no mínimo, suspenso”.