Não temos uma ditadura, diz Glenn após Bolsonaro falar sobre sua eventual prisão

Não temos uma ditadura, diz Glenn após Bolsonaro falar sobre sua eventual prisão

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Talvez pegue uma cana aqui no Brasil’, disse o presidente sobre fundador do site The Intercept Brasil

Marina Gama Cubas
Folha

O jornalista Glenn Greenwald, fundador do site The Intercept Brasil, afirmou neste sábado (27) que a declaração do presidente Jair Bolsonaro (PSL) sobre sua eventual prisão não faz nenhum sentido.

Após evento no Rio de Janeiro, em entrevista na manhã deste sábado, Bolsonaro disse que o jornalista “talvez pegue uma cana aqui no Brasil’. O Intercept tem publicado desde 9 de junho reportagens com base em diálogos vazados do ministro Sergio Moro e de procuradores da força-tarefa da Lava Jato.

“Ao contrário do que Bolsonaro deseja, não temos uma ditadura, temos uma democracia e para prender alguém é preciso mostrar evidencia de que a pessoa que você quer prender cometeu algum crime”, disse Glenn à Folha.

“O Bolsonaro não tem o poder para mandar pessoas serem presas por motivos políticos sem evidência de que a pessoa tenha cometido um crime. Ele quer ter, mas não tem”, completou o jornalista.

Glenn é cidadão dos Estados Unidos e mora no Rio de Janeiro. Ele é casado com um brasileiro, o deputado federal David Miranda (PSOL-RJ), com quem tem dois filhos adotivos, também nascidos no país.

Bolsonaro, no mesmo evento no Rio de Janeiro, chamou o jornalista e seu marido de malandros por terem se casado e adotado duas crianças no país.

“Isso é totalmente maluco porque o David e eu estamos casados há quase 15 anos. Peguei meu visto de permanência, baseado em nosso casamento, entre 2006 e 2007”, disse Glenn.

Ao chamar os dois de “malandro”, Bolsonaro fazia referência a uma portaria publicada por Moro, nesta sexta-feira (26), que estabelece um rito sumário de deportação de estrangeiros considerados “perigosos” ou que tenham praticado ato “contrário aos princípios e objetivos dispostos na Constituição Federal”.

“Evidentemente Bolsonaro acha que tenho poder para prever o futuro, que depois de mais de dez anos eu precisaria dessa proteção para não ser deportado. É quase insana essa teoria.”

Segundo Glenn, em 2005, ano em que se casou, ele trabalhava como advogado e não atuava como jornalista. “Pensar que o motivo de eu casar com o David é que 15 anos depois eu me tornaria jornalista e precisaria dessa proteção é algo que só quem é totalmente maluco falaria.”

Ele ainda comentou a adoção de seus filhos. “É totalmente ridícula [essa teoria]. Ninguém adotaria dois filhos, que é preciso cuidar em todos os aspectos, para ter uma vantagem sobre a lei”.

O jornalista e o Intercept têm dito que não fazem comentários sobre suas fontes. Sobre sigilo da fonte, o artigo quinto da Constituição afirma: “É assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”.

A Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) repudiou a fala de Bolsonaro e, em uma rede social, afirmou ver risco à liberdade de expressão.

“Ao ameaçar de prisão um jornalista que publica informações que o desagradam, o presidente Bolsonaro promove e instiga graves agressões à liberdade de expressão”, declarou a entidade.

“Sem jornalismo livre, as outras liberdades também morrerão. Chega de perseguição”, acrescentou a Abraji, promovendo a hashtag #defendaojornalismo.

ÉPOCA DE EXCEÇÃO

Em conversas privadas neste sábado, ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) criticaram as declarações de Bolsonaro e disseram que ela remete aos tempos da ditadura militar (1964-1985), época da história brasileira frequentemente exaltada pelo presidente da República.

Eles lembraram que, embora um presidente tenha muitos poderes, segundo a Constituição, não há nenhum lastro que o permita influenciar ou determinar a prisão de alguém, o que é uma atribuição do Poder Judiciário, respeitada a legislação vigente.

Avançar além disso, na visão desses ministros, representa um cenário que se assemelharia ao da época de exceção, situação inimaginável no atual ordenamento jurídico.

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