Após ‘Cristo desgovernado’, imagem do Brasil no exterior sofre nova baixa

Após ‘Cristo desgovernado’, imagem do Brasil no exterior sofre nova baixa

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Em 10 anos, o Brasil passou de promessa de futura potência econômica para país com economia desgovernada e, mais recentemente, nação que ameaça os esforços mundiais de combate ao aquecimento global e de preservação do planeta.
Pelo menos é essa a narrativa estampada em alguns dos principais jornais e revistas estrangeiras.
É difícil esquecer a icônica capa de 2009 da prestigiada revista britânica The Economist em que a estátua do Cristo Redentor aparece subindo aos céus como foguete, com o título “Brazil takes off” ou Brasil decola, na tradução para o português.

Quatro anos depois, em 2013, a revista conhecida pelo pensamento liberal na economia e progressista nos costumes, substituiu o otimismo por uma reportagem repleta de críticas ao país.

Na capa, o Cristo que antes decolava aparecia em queda desgovernada. O título questionava se o Brasil havia jogado fora a chance de ser o “país do futuro”.

Nesta sexta (2), o Brasil voltou a estampar a capa da Economist. Dessa vez, como principal ameaça ao meio-ambiente. Uma imagem de toco de árvore com o formato do mapa do Brasil ilustra o título dramático “Vigília da morte para a Amazônia”.
O texto diz que o presidente Jair Bolsonaro “deixou claro para os infratores (desmatadores) que eles não têm nada a temer”.
A política ambiental do governo brasileiro, que prevê a possibilidade de mineração em terras indígenas e de expansão de atividades econômicas na Amazônia, também teve destaque – não exatamente positivo – em jornais americanos.
Em 28 de julho, um dos principais jornais dos Estados Unidos, o The New York Times, publicou artigo com o seguinte título: “Sob líder de extrema-direita brasileiro, proteções à Amazônia são cortadas e florestas caem”.
O artigo diz que, se antes o Brasil era visto como liderança na área de meio-ambiente, agora o governo Bolsonaro coloca essa imagem em xeque.

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Empresas de marketing e pesquisa também calculam a evolução (ou involução) da “marca Brasil” no exterior. A consultoria de imagem e marketing FutureBrand, que tem escritórios nos EUA, na Europa e na América do Sul, faz todo ano um ranking dos países com melhor imagem internacional.
O Brasil caiu quatro posições de 2014 a 2019, figurando em 47º na lista de 69 países analisados. Segundo o relatório da FutureBrand, embora nosso país ainda se mantenha entre as 10 maiores economias do mundo (é a nona maior), “há previsão de nuvens carregadas no horizonte”.
“A nação se dividiu com a eleição de Jair Bolsonaro e a turbulência continua a afetar o Brasil, podendo influenciar o desempenho do país nos próximos rankings.”
Mas quais foram os momentos-chave que ajudaram a moldar e transformar a imagem do Brasil no exterior? E seriam justas essas avaliações da imprensa estrangeira sobre o nosso país?
A linha do tempo da imagem do Brasil no mundo
Em entrevista à BBC News Brasil, o professor de Relações Públicas Internacionais Christopher Sabatini, da Universidade Columbia, em Nova York, lembrou alguns episódios e momentos que ajudaram a forjar a forma como o nosso país era visto no exterior.
Segundo ele, antes de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva se tornarem presidentes, a visão sobre o Brasil era concentrada em aspectos culturais e na ideia de um país diplomático e amigável.

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Na BBC – “O Brasil era visto como fonte de riqueza cultural, não só com samba, mas com a MPB, Bossa Nova, Caetano Veloso e outros excelentes músicos”, disse.
“E muitos reconheciam o potencial diplomático do Brasil, a boa tradição diplomática do Itamaraty. Quem trabalhava com política e diplomacia sabia da capacidade de soft power e de negociação.”

Soft power é um termo que descreve a influência de um país em decisões internacionais por meio de sua capacidade de persuasão, sem uso de coerção, poder econômico ou militar.
A diretora do Programa de Estudos Brasileiros da Universidade Oxford, Andreza de Souza Santos, diz que “o mito” de que o Brasil era uma “democracia racial”, ou seja, um país aberto à miscigenação e sem racismo, também contribuiu para que o país fosse percebido como aberto, liberal e tolerante.
“O Brasil nunca encarou profundamente o seu legado de escravidão e desigualdade, mas a imagem que se tinha no exterior era a de que havia tolerância religiosa e racial.”
Brasil como potencial de ser líder regional
Durante o governo de Fernando Henrique Cardoso o Brasil passou a ser encarado mais seriamente como país com potencial de influência internacional e liderança regional, diz o professor americano Sabatini, que também integra a Chatham House, uma das instituições de pesquisa mais respeitadas do Reino Unido..
“FHC era um acadêmico de proeminência internacional que corrigiu os rumos da economia quando estava no poder. Ele não recebe os créditos devidos, mas foi responsável por dar maior importância e peso ao Brasil internacionalmente.”
Já o ex-presidente Lula seria a “personificação” das expectativas que o mundo tinha em relação ao Brasil.
“A história de Lula representava essa ascensão e modernização do Brasil. Ele é um homem que veio da pobreza num dos países mais desiguais do mundo”, diz Sabatini.
“E a nossa percepção é a de que os brasileiros são carismáticos. Lula era muito carismático. Então, ele personalizava o que muitos estrangeiros pensavam sobre o Brasil.”
Além disso, nos dois mandatos de Lula, o Brasil viveu um momento de estabilidade financeira e crescimento ecomômico, impulsionado pelo boom no preço das commodities.

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Nessa época, lembram Christopher Sabatini e Andreza dos Santos, o Brasil se firmou como liderança ambiental, se comprometendo voluntariamente a reduzir a emissão de gases poluentes.
Com a crise econômica no governo de Dilma Rousseff, a imprensa estrangeira passou a classificar as conquistas econômicas anteriores do Brasil como “bolhas” ou “voo de galinha”.
“Muitos perderam a esperança de que o país está destinado ao sucesso e concluíram que foi apenas outro voo de galinha”, dizia artigo de 2013 da Economist.
Já no governo Bolsonaro, o Brasil passou a estampar as capas dos jornais como país que não mais se compromete com o combate às mudanças climáticas e cujo líder coloca em xeque direitos de minorias.
As falas de Bolsonaro sobre a comunidade LGBT, mulheres e negros foram amplamente noticiadas no exterior.
Andreza Santos observa que, quando o Cristo apareceu “desgovernado” na capa da Economist de 2013, o foco das críticas ao Brasil era a gestão econômica.
Agora, o noticiário questiona grande parte dos valores antes associados ao Brasil.
“A crítica em 2013 focava no crescimento econômico fraco, na desaceleração, nos problemas orçamentários. Enfim, pintava a imagem de um país bagunçado na gestão financeira”, ressalta Santos.
“Agora é muito diferente, é como se os alicerces de imagem do Brasil estivessem se rompendo. Na questão diplomática, por exemplo, o Brasil passou a optar por decisões de confronto com antigos parceiros, quebrando uma tradição consolidada de agir com neutralidade.”
Mas é justa a imagem que a imprensa estrangeira faz do Brasil?
Para o professor Sabatini, os discursos do presidente Bolsonaro sobre meio-ambiente e direitos de minorias prejudicam a imagem consolidada do Brasil como país tolerante, aberto às diferenças e vanguardista na proteção ambiental.
Mas ele também critica o que chama de exageros e “bipolaridade” da imprensa internacional ao escrever sobre Brasil. Para Sabatini, a Economist exagerou no otimismo e agora exagera no pessimismo e na “generalização” dos problemas brasileiros.
Ele argumenta que, em 2009, a revista britânica subestimou, por exemplo, o fato de que a economia brasileira ainda se baseava na exportação de produtos básicos, como alimentos, e negligenciou a existência de corrupção no sistema político.
“De certa maneira, aquela capa não foi justa com o Brasil porque não apontou as fragilidades institucionais da economia brasileira e não considerou que muitas daquelas conquistas foram construídas com práticas corruptas”, disse.
“Ou seja, a primeira reportagem superestimou as conquistas e ignorou as vulnerabilidades do Brasil. A segunda capa, do Cristo em colapso, é injusta com o Brasil, porque é uma consequência do próprio erro anterior da Economist ao analisar o Brasil.”
Para Sabatini, a imprensa estrangeira em geral, ao se propor a fazer reportagens analíticas sobre o Brasil, continua a errar no tom e na “generalização” das responsabilidades.

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“Claro que o ritmo do desmatamento é preocupante e é um fato que o governo Bolsonaro deu sinal verde, direta ou indiretamente, para que isso acontecesse. Mas essa é parte da história e não reflete a prática de grande parte da agricultura praticada no Brasil. Esse aspecto de produção sustentável não é retratado pela imprensa”, diz Sabatini.
O professor lembra ainda que alguns anos atrás o Brasil era celebrado pela produção de alimentos e visto como nação necessária para garantir a segurança alimentar do mundo.
“Há um comportamento bipolar. Antes, o Brasil era divulgado como o país que ajudará a combater a fome no mundo. Agora, a imprensa estrangeira exclama que o país está destruindo a floresta e culpa a agricultura.”
Na reportagem sobre os riscos para a Amazônia no governo Bolsonaro, a Economist faz um apelo para que os países compradores de produtos brasileiros condicionem parcerias comerciais a um “bom comportamento por parte do Brasil”.
Recentemente, a União Europeia fez um alerta ao Brasil ao dizer que o acordo de comércio entre Mercosul e União Europeia, que ainda precisa ser ratificado, está condicionado ao compromisso com a proteção ambiental e dos povos indígenas.
Que consequências a erosão da imagem do Brasil pode ter?
Andreza Santos, da Universidade Oxford, afirma que a redução do prestígio internacional do Brasil pode influenciar negativamente a capacidade de o país atrair investimentos, turistas e parcerias.
Apesar de não ter grande poderio militar nem estar entre as cinco maiores economias, o Brasil conseguiu usar o soft power para ter destaque em organismos internacionais e obter vantagens econômicas em negociações comerciais com grandes potências.
Atualmente, a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) e a Organização Mundial do Comércio (OMC) são presididas por dois brasileiros: José Graziano da Silva e Roberto Azevêdo, respectivamente.
“A imagem do Brasil no exterior afeta parcerias comerciais, cooperação cientifica e tecnológica, e o turismo”, lista Santos.
Sabatini compartilha essa opinião.
“Embora eu enxergue equívocos na cobertura da imprensa internacional, é verdade que o nacionalismo de Bolsonaro, seus planos sobre demarcação indígena e o discurso sobre minorias geram uma preocupação genuína”, diz.
“Os aspectos que tornavam o Brasil atrativo para muita gente, como a imagem de progressista, de potencial líder do hemisfério sul e de ser uma liderança na cultura e na proteção ambiental, estão se desfazendo”, conclui o professor americano.

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