O mais grave na palestra que Moro realizou em setembro de 2016 para o grupo privado Sinos, no Rio Grande do Sul, não foi deixar de informar ao TRF-4, como determina resolução do CNJ. Nem ter sido bem remunerado, como ele conta a Deltan Dallagnol. Foi ter se exposto em um momento em que deveria se resguardar, já que Lula, o ex-presidente mais popular da história do Brasil, era investigado em sua jurisdição.
A pergunta era inevitável: Quando o Lula será preso?
A plateia que lotava o teatro não estava interessada nos conhecimentos técnicos do magistrado, porque, se tivesse, as perguntas seriam outras. Há motivo para condenação de Lula? Quais? Onde ele violou a lei? Moro não poderia responder a essas questões, naturalmente, mas as indagações fariam algum sentido se houvesse, naquele momento, alguma racionalidade nas discussões públicas sobre o PT e Lula.
O debate no Brasil, no entanto, estava contaminado pelo movimento político e o espetáculo midiático que tinham levado à condução coercitiva de Lula e à derrubada de Dilma Rousseff. Depois que o apresentador fez a pergunta, a plateia aplaudiu, muitos gargalharam, é possível ouvir até uivos. Não era um ambiente próprio para um magistrado que seria obrigado, pouco depois, a decidir se receberia ou não a denúncia do Ministério Público contra Lula e, mais tarde, a decidir se o condenaria ou não.
Basta ver o vídeo sobre a palestra para concluir que aquela reunião era qualquer coisa menos a atividade docente que é permitida aos magistrados de acordo com a Lei Orgânica da Magistratura Nacional. O artigo 26 admite uma única atividade extra ao juiz: “o magistério superior, público e privado”. Um evento em que o púbico se comporta como se estivesse em um jogo de futebol não pode ser considerado “magistério superior”.
Oito meses depois, ao prestar seu primeiro depoimento a Moro, Lula faria colocações sobre a dificuldade que o juiz teria caso não o condenasse.
“Deixa eu lhe falar uma coisa, doutor, eu espero que essa nação nunca abdique de acreditar na justiça. Agora eu queria lhe avisar uma coisa, que esses mesmos que me atacam hoje, se tiverem sinais de que eu serei absolvido, prepare-se, porque os ataques ao senhor vão ser muito mais fortes”, afirmou.
Com palestras como aquela no grupo Sinos, Moro alimentava o ambiente de linchamento, em que o desfecho previsível era a condenação de Lula.
Na resposta à pergunta “Quando Lula será preso?”, o então juiz deu a única resposta que poderia dar em público:
“Bem, para essa questão realmente não tenho como começar a responder”.
Ouvem-se risos sarcásticos, aplausos e até uivos. Ele não disse nada, mas era como se aquele público, cúmplice, já soubesse a resposta.
“Não precisa dizer, doutor. O senhor nos dará a presa”.
E Moro deu — e continuará dando — com ares de que faz isso como missão de magistrado e não como o homem desmedidamente ambicioso que é.
Lula é o troféu de Moro, o prêmio que entende que mereceu ganhar.
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O vídeo a que se faz referência neste texto está na reportagem da Folha. Para lê-la e acessar o vídeo, clique aqui.