Pela segurança dos jornalistas não é adequado divulgar as publicações de grupos em que são citados com ironia, raiva ou desprezo.
Por Luciana Oliveira
Em Santo Antônio do Matupi, distrito de Manicoré no sul do Amazonas só há um posto telefônico que fica aberto em horário comercial. O acesso à internet é um engodo, funciona eventualmente e quem consegue sinal usa para ler mensagens de WhatsApp.
A dificuldade de comunicação é um obstáculo ao trabalho dos jornalistas, sobretudo estrangeiros, que cobrem as queimadas nesta região da Transamazônica (BR 230) onde há muitos focos de incêndio.
Ao contrário do que ocorre com a floresta, a notícia ‘quente’ apaga rapidamente com a demora no envio.
O quilômetro 180 como também é chamado, é passagem obrigatória a quem vai a Apuí, um dos três municípios em que Jair Bolsonaro venceu as eleições em primeiro e segundo turnos e onde o fogo mais se alastra.
Até lá são 213 quilômetros e a precariedade do acesso à internet é a mesma.
Mas, o maior desafio que os jornalistas enfrentam não é a quase total incomunicabilidade.
A rede de robôs que distribui a narrativa do governo sobre a catástrofe ambiental na Amazônia tem promovido hostilidade aos jornalistas estrangeiros.
A Agência Pública divulgou levantamento sobre “hashtags contra ONGs na Amazônia e a favor de Salles”.
Leia aqui: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/08/30/politica/1567126442_178150.html
Pela segurança dos jornalistas não é adequado divulgar as publicações de grupos em que são citados com ironia, raiva ou desprezo.
Reproduzem a mentalidade de Bolsonaro.
Ninguém me contou, vi manifestações nervosas com a presença da imprensa.
“Esses jornalistas têm que defender a floresta deles”, disse um homem de meia idade.
O mesmo tratamento constrangedor é dado a membros de organizações não governamentais (ONGs) que desenvolvem diversos trabalhos de proteção ao meio ambiente.
“Essas ONGs só querem dinheiro. O presidente cortou e por isso estão com esse sensacionalismo todo. Elas que colocaram fogo para prejudicar o governo”, disse o homem que observei em silêncio, de longe.
A ação da rede de robôs que espalham dados falsos dos grupos bolsonaristas resulta em agressividade e medo.
Os que acham que as declarações de Bolsonaro e seu ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, contribuíram com o aumento dos desmatamentos e queimadas na Amazônia, e são poucos, não querem dar entrevistas por medo.
Os que têm interesse em amplificar a narrativa do governo, e são muitos, mostram a cara para estimular hostilidade a imprensa e ONGs.
“Só encontrei quem concordasse com o que Bolsonaro fala sobre as ONGs e a ameaça de invasão e domínio da Amazônia. E muitos me olharam com desconfiança quando perguntei se os discursos do presidente estimularam incêndios, disse um jornalista estrangeira.
A predominância de bolsonaristas na região tem explicação.
Santo Antônio do Matupi e Apuí estão na mira de expansão da fronteira agrícola.
Vimos muitos bois em pastos e árvores derrubadas na margem da rodovia.
Os pecuaristas e madeireiros que defendem o governo pensando tão somente no lucro com a flexibilização da legislação ambiental prometida por Bolsonaro, estão empenhados em dificultar e até ameaçar o trabalho da imprensa e das ONGs.
São mentes devastadas pela ignorância e ganância.
Não há futuro sem floresta em pé, é o que dizem os Tenharins, povo indígena que se espalha neste pedaço de Amazônia em chamas.