Defesa da tortura torna Bolsonaro incompatível com a presidência

Defesa da tortura torna Bolsonaro incompatível com a presidência

(Foto: Clauber Cleber Caetano/PR)

No Brasil 247, por Paulo Moreira Leite – Diante dos vergonhosos elogios de Jair Bolsonaro à Augusto Pinochet, cabe reconhecer de uma vez por todas que o Brasil possui um presidente incompatível com as responsabilidades do cargo que recebeu nas urnas de outubro de 2018 e tem direito legal de ocupar até janeiro de 2023.

Não se trata de reprovar declarações grosseiras e denunciar bobagens diárias, ou mesmo questões muito graves, como o projeto 03 em Washington, a reforma da Previdência, os incêndios da Amazônia. A questão é mais essencial e decisiva, de outra qualidade.

Diz respeito aos fundamentos de nossa democracia, tal e qual ela foi pensada e construída em 1988, como referência para  futuras gerações de brasileiros e brasileiras.

Ao saudar a “coragem” dos homens que torturaram e assassinaram o brigadeiro Alberto Bachelet, pai de Michelle Bachelet, presidente do Chile entre 2006 e 2010, uma segunda vez entre 2014 e 2018, ela própria vítima de tortura, Bolsonaro fez um auto retrato definitivo e traçou  um caminho sem volta.

Num comportamento que já vai se tornando um costume, sempre que ouve uma crítica, ou sente-se desafiado, o presidente se refugia atrás de universo mental mobiliado pela cadeira de dragão, o pau de arara e outros instrumentos capazes de produzir o sofrimento mais atroz que a mente humana foi capaz de produzir.

Alta Comissária de Direitos Humanos da ONU, Michelle Bachelet tornou-se alvo porque, de volta a Genebra ao fim de uma viagem ao Brasil, atreveu-se a contar aquilo que todo mundo está vendo: “observamos uma redução do espaço cívico e democrático, caracterizado por ataques contra defensores dos direitos humanos”.

O mais grave é que, em apenas oito meses de mandato presidencial, não foi o primeiro episódio de Bolsonaro. No final de julho, quando o presidente da OAB Felipe Santa Cruz denunciou a dor de décadas uma família que perdeu o pai, desaparecido no porão da tortura, Bolsonaro também reagiu com palavras grosseiras e ofensivas — num sinal de que não estava incomocadao com o crime contra Fernando Santa Cruz, mas pelo protesto inconformado de quem denunciou os fatos.

Em 2016, ao dar seu voto a favor do impeachment, Bolsonaro usou a memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra ( “o pavor de Dilma Rousseff”) para uma mórbida celebração da tortura a presos políticos.

A gravidade institucional desse comportamento, sua incompatibilidade com as leis do país, não precisa ser sublinhada. Ao tomar posse, em janeiro, Bolsonaro comprometeu-se a “manter, defender e cumprir a Constituição”. Acontece que a carta de 1988 afirma, no inciso III do artigo 5 que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”.

É cada vez mais difícil negar que faltam a Bolsonaro a “dignidade, a honra e o decoro” exigidos pelo cargo, atributos que, segundo a lei 1079, de 1950, definem os “crimes de responsabilidade” de presidentes e ministros de Estado.

Seu enquadramento nesses crimes já não é uma questão jurídica, mas política.

Como Pinochet no passado, protegido até o último de seus dias pelos figurões imperiais que sustentaram uma ditadura especialmente cruel em troca do desmonte do sistema de bem-estar social construído no chile,  Bolsonaro conta com apoio sem escrúpulos dos mercados internacionais. Admirador confesso da política econômica de Pinochet, o Chicago Boy Paulo Guedes tornou-se peça chave na montagem do governo em função disso.

Num país às voltas com um desemprego trágico, uma economia paralisada e um desalento geral, só se engana quem finge não enxergar os perigos que Bolsonaro representa para o Brasil.

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