Bolsonaro parece disposto a tirar a autonomia da operação que o ajudou a chegar ao poder
A escolha de Augusto Aras para comandar a Procuradoria-Geral da República será, com a cada vez mais provável derrubada da direção da Polícia Federal, o principal teste de resistência da Operação Lava Jato.
Mais do que enterrar a ação que o ajudou a chegar ao poder, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) parece querer descobrir o limite da lealdade do seu ex-superministro da Justiça, Sergio Moro. No bolsonarismo, tal atributo é confundido com genuflexão incondicional.
O próprio Aras aceitou acender velas para santos diversos no caminho até a cadeira de Raquel Dodge.
Ele ainda precisa ser aprovado pelo Senado, mas a flexibilidade pregressa no trato com correntes da esquerda à direita parece facilitar sua vida por lá —e à Casa já basta ter de lidar com a eventual rejeição de Eduardo Bolsonaro à embaixada em Washington.
Menos certo é o impacto das revelações que vão emergindo sobre sua vida dupla de procurador e “consultor” de escritório de advocacia, uma inusitada condição permitida pelo fato de ele ter entrado na carreira antes da Constituição de 1988.
Por um lado, há um desagaste bastante provável. Por outro, a certeza por parte dos políticos de que se está lidando com alguém que conhece o ramo, até pelos relatos de seu envolvimento em causas eleitorais. No Brasil, isso pode significar várias coisas, mas o benefício da dúvida está com Aras.
Mas é na Lava Jato que a coisa pega. Se beijou a cruz do bolsonarismo, Aras não tem histórico de depositar oferendas no altar da operação que virou sinônimo do combate à corrupção.
Dirá agora que a apoia e tal, como seria óbvio, mas atores influentes em Brasília que o conhecem afirmam o mesmo: ele tem tudo para manietar a operação.
Como se sabe, a Lava Jato vive o momento de maior descrédito a partir das inconfidências virtuais reveladas pelo The Intercept Brasil e pela subsequente ofensiva da ala garantista do Supremo Tribunal Federal que coloca em risco um rosário de sentenças.
O ponto de inflexão agora será a escolha do sucessor de Maurício Valeixo à frente da PF, conforme Bolsonaro faz questão de sugerir sempre que pode. Após a interferência na regional fluminense que estava de olho nas ligações de sua família com milicianos, o presidente prepara um golpe final na autonomia da instituição.
O grande afetado por tudo isso é Moro. O peso político do ministro, que faz Bolsonaro o temer como adversário potencial em 2022, é evidente: mesmo sob intensa pancadaria, ele ainda goza de 25 pontos percentuais a mais de aprovação do que o chefe, como mostrou o Datafolha.
Não é incidental, pois, que Bolsonaro tenha elencado uma série de humilhações públicas para aplicar a ele, só para afagá-lo aqui e ali. Moro paga, com juros, o preço de ter aceitado gostosamente o papel de salvador da pátria usando uma toga e, depois, vestido o manto de vestal a serviço de alguém beneficiado por sua atuação.
Isso nada tem a ver com os diversos méritos da Lava Jato, mas no contexto atual acaba sendo mais um prego no caixão da operação. Se será Aras e o eventual sucessor de Valeixo quem irá completar o serviço, não se sabe.
O que é certo é o dono do martelo: Jair Messias Bolsonaro. Ironia pura, dado que a terra arrasada deixada pela investigação na política tradicional foi um dos elementos centrais para a ascensão do hoje presidente.
Não parece haver disposição ou energia para ver “as ruas” se levantarem pelos riscos do fim da Lava Jato. Reação mais provável, e imponderável a esta altura, é das instituições que vêm sendo subjugadas pela vontade do presidente —é dali que sortilégios podem vir para rondar o Planalto.