STF proíbe censura de livros no Rio e dá recado contra discriminação

STF proíbe censura de livros no Rio e dá recado contra discriminação

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O arroubo público de censurador do prefeito do Rio de Janeiro Marcelo Crivella chegou ao fim neste domingo, dia 8. Ao mesmo tempo em que a Bienal do Livro se encerra depois de 10 dias de evento, o Supremo Tribunal Federal ratifica que o gesto de Crivella, de colocar seus fiscais para percorrer os estandes de livro atrás de suposto conteúdo impróprio, está descolado da democracia do Brasil.

“O regime democrático pressupões um ambiente de livre trânsito de ideias”, afirmou Dias Toffoli, presidente da Corte, a quem coube a análise do pedido da procuradora Raquel Dodge de proibir a ação de apreensão de livros na Bienal, solicitada pelo prefeito Crivella na sexta-feira depois de se sentir contrariado por causa do desenho de um beijo gay do HQ Vingadores, a Cruzada das Crianças, num dos estandes da Bienal. Assim, a decisão anterior, do Tribunal de Justiça do Rio, que dava aval a Crivella, foi derrubada.

O ministro Celso de Mello já havia enviado um duro recado a Crivella, em nota à jornalista Mônica Bergamo da Folha de São Paulo. “Sob o signo do retrocesso, cuja inspiração resulta das trevas que dominam o poder do Estado, um novo e sombrio tempo se anuncia, da intolerância, da repressão ao pensamento, da interdição ostensiva ao pluralismo de ideias e do repúdio ao princípio democrático”, completou.

Foi o beijo gay do HQ Vingadores que despertou Crivella para uma atitude enérgica que ganhou repercussão internacional, muito embora comande a prefeitura de uma cidade que acumula problemas mais concretos em diversos setores. Mas o prefeito evangélico, pastor licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus, ajudou a fomentar o ‘balé conservador’ das lideranças políticas que ganham espaço sob o presidência de Jair Bolsonaro.

O tio de Crivella, o bispo Edir Macedo, também foi notícia neste final de semana ao assistir ao desfile do dia 7 de setembro, dia da Independência do Brasil, ao lado de Bolsonaro. Dias antes Macedo ungiu o presidente num ritual para lembrar seus fieis que Bolsonaro era escolhido por Deus. É na tentativa de forçar uma pauta com viés moralista e religioso que ações como a de Crivella vem se repetindo no Brasil, como aconteceu com a Bienal do Livro do Rio, muitas vezes com respaldo de setores da Justiça. O presidente do Tribunal do Rio, o desembargador Cláudio Tavares, endossou a petição de Crivella, por entender que “não houve impedimento ou embaraço à liberdade de expressão” nas ordens de Crivella de apreender o material classificado como “impróprio”. Cenas que o Brasil achava que já não existiam desde o fim da ditadura em 1985.

A queda de braço que se formou entre o direito e o arrastão conservador foi destacado na carta de Celso de Mello à Folha, como um alerta não a Crivella, mas a toda a sociedade. “Mentes retrógradas e cultoras do obscurantismo, e apologistas de uma sociedade distópica, erigem-se por ilegítima autoproclamação, à condição de sumos sacerdotes da ética e dos padrões morais e culturais que pretendem impor, com apoio de seus acólitos, aos cidadãos da república”.

Ainda que a decisão de Toffoli e as palavras de Mello deem um norte jurídico para novas tentativas de censura, a Corte Suprema não conseguiu impedir que a Bienal chegasse a ser visitada duas vezes por fiscais. Na sexta, sob protestos dos que estavam no evento, e no sábado, quando fiscais percorreram estandes, a paisana, verificando se havia algum livro que saísse do padrão na exposição. “Não foi encontrada nenhuma violação às normas legais que regulam a comercialização desse tipo de material para crianças e adolescentes”, disse o chefe do fiscais, Coronel Wolney Dias, da Secretaria de Ordem Pública da prefeitura, em entrevista à rede Globo no final da noite.

A discrição que os fiscais buscaram foi uma tentativa de se esconder dos protestos de quem foi até a Bienal contra a ação de Crivella. Muitos se sentiram atraídos pelo youtuber Felipe Neto que comprou milhares de exemplares de livros com temática gay para distribuir de graça na bienal, num gesto de repúdio a censura do prefeito neste sábado. “Não vai ter censura”, gritaram centenas de jovens num momento de tensão no Riocentro.

A decisão de Toffoli destacou que o discurso e as atitudes de Crivella estão completamente fora do jogo democrático, indo contra a Constituição brasileira e contra os princípios de dignidade humana ao atrelar uma cena de beijo de amor gay, por exemplo, a “conteúdo impróprio”. Toffoli argumenta em sua decisão o “reconhecimento do direito à preferência sexual como direta emanação do princípio da “dignidade da pessoa humana”: direito a auto-estima no mais elevado ponto da consciência do indivíduo. Direito à busca da felicidade.” Rebate, ainda, o uso de do argumento do prefeito Crivella de que o gesto de recolher livros na Bienal visava “cumprir a lei e defender a família”. Toffoli lembra que a Constituição brasileira não empresta ao substantivo “família” nenhum “significado ortodoxo” e trabalha com a “interpretação não-reducionista”, sem diferenciar casais heteros ou homoafetivos.

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