Eu estou deixando de gastar R$ 20 mil de cartão de crédito e estou passando a gastar R$ 8 mil, diz ele.
Fernanda Canofre
Na FSP
“O senhor me desculpe o desabafo, eu estou fazendo a minha parte. Eu estou deixando de gastar R$ 20 mil de cartão de crédito e estou passando a gastar R$ 8 [mil], para poder viver com os meus R$ 24 mil”.
A fala foi proferida pelo procurador Leonardo Azeredo dos Santos em uma sessão da Câmara de Procuradores do MPMG (Ministério Público de Minas Gerais), no dia 12 de agosto. O áudio na íntegra, com 1 hora e 40 minutos, foi publicado no site da própria instituição.
Os procuradores —cargo que equivale ao de desembargador na hierarquia da promotoria estadual— discutiam o orçamento proposto para 2020. Azeredo começou a indagar quais as soluções previstas para aumentar os salários dos membros do Ministério Público no próximo ano.
Ele questionava o procurador-geral da Justiça, Antônio Sérgio Tonet, sobre soluções que estariam sendo pensadas para garantir pagamento de “qualquer tipo de vantagem, quando passarem a receber o “salário verdadeiro”, com o fim de pagamentos retroativos.
“Como é que o cara vai viver com R$ 24 mil? O que é que de fato vamos fazer para melhorar a nossa remuneração? Ou nós vamos ficar quietos? Eu não sei se vou receber a mais, se vai ter algum recálculo dos atrasados que possa me salvar, salvar a minha pele. Eu, de qualquer forma, já estou baixando meu padrão de vida bruscamente, mas eu vou sobreviver”, afirmou.
O procurador segue no desabafo dizendo que não é perdulário, mas infelizmente “não tem origem humilde” e não está “acostumado com tanta limitação”. Ele cita, entre seus gastos, R$ 4.500 em condomínio e IPTU.
“Eu quero saber se nós, ano que vem, vamos continuar nessa situação, ou se Vossa Excelência já planeja alguma coisa dentro da sua criatividade para melhorar a nossa situação. Ou se nós vamos ficar nesse miserê aí, ainda sob ameaça de não termos aumento”, questiona ele a Tonet.
A fala de Azeredo segue ainda questionando se haverá interesse pela carreira na Promotoria, tendo em vista os salários. Com 28 anos na instituição, ele afirma que o cenário atual o levou a tomar remédios.
“Eu e vários outros, já estamos vivendo abaixo de comprimido, abaixo de antidepressivo. Eu estou falando desse jeito aqui com dois comprimidos de sertralina por dia. Eu tomo dois ansiolíticos por dia e ainda estou falando desse jeito aqui.
Você imagina se eu não tomasse? Ia ser pior que o Ronaldinho. Alguma coisa tem que ser feita”.
Antecipando que poderia sofrer críticas pela fala, Azeredo disse que sem alguma ação, a categoria poderia virar “pedinte”.
“Vamos baixar mais a crista? Vamos virar pedinte quase? Alguém vai chegar e dizer ‘ora, exagero seu, você não sabe o que é um pedinte’. Mas será que estou pedindo muito, para o cargo que eu ocupo? Será que o meu cargo não merece ter uma remuneração que eu possa pagar o colégio dos meus filhos, por exemplo?”.
O valor de R$ 24 mil citado por ele é uma média dos salários no Ministério Público de Minas Gerais.
Segundo o portal da transparência do MPMG, em janeiro, Azeredo recebeu bruto R$ 35.462, 22. Após o descontos, o valor líquido foi de R$ 23.803,50.
Ocorre que, segundo a planilha divulgada na página do Ministério Público mineiro, ele ainda teve direito a indenizações que somaram R$ 42.256,59, mais R$ 21.755,21 em outras remunerações retroativas/temporárias.
Em julho, a última informação disponível, o bruto foi de R$ 35.462, 22 e o líquido, após descontos, foi de R$ 23.803,50. As indenizações ficaram em R$ 9.008,30 e as remunerações retroativas/temporárias foram de R$ 32.341,19.
Segundo profissionais que acompanham a estrutura do Ministério Público e falaram na condição de anonimato, o ganho total mensal vem da soma do rendimento líquido com as indenizações e as remunerações retroativas/temporárias.
Não há deduções sobre indenizações, no entanto, pela forma como estão detalhadas na planilha do Ministério Público, não é possível saber se o valor das remunerações retroativas/temporárias é bruto ou líquido.
Minas Gerais vive uma das piores situações de crise fiscal do país, com parte de pagamentos de servidores públicos atrasados e parcelados. O governador Romeu Zema (Novo) defende como saída a adesão ao RRF (Regime de Recuperação Fiscal) com a União. O plano, porém, ainda não foi apresentado ao Legislativo.
Azeredo, em sua manifestação, questiona sobre a possibilidade de que, se houver aumento no STF (Supremo Tribunal Federal), o MPMG pode não receber a reposição diante das regras previstas no acordo do RRF. O controle de contas pegaria os três poderes.
Fontes ouvidas pela Folha negam que haja descontentamento entre a categoria pelos salários. A fala de Azeredo repercutiu mal em grupos do Ministério Público.
Por meio de nota, o MPMG classificou a manifestação do procurador como sendo de “cunho pessoal”. A instituição ressaltou que não há nenhum projeto visando adoção de benefícios para a carreira dos membros ou de servidores, em virtude da crise financeira do estado e da lei de responsabilidade fiscal.
Veja também: https://www.youtube.com/watch?v=SP4qTbSWtsg