Invasores disseram que foram estimulados por promessas de Bolsonaro; PF prende quatro líderes
Na FSP
Fabiano Maisonnave
Lalo de Almeida
FLORESTA NACIONAL DO BOM FUTURO (RO) e MANAUS
Faltavam cinco dias para o segundo turno de 2018. Estimulados pelas declarações do então candidato Jair Bolsonaro (PSL) de que havia um excesso de áreas protegidas em Rondônia, centenas de famílias invadiram, em 22 de outubro, a Floresta Nacional (Flona) do Bom Futuro.
Na última terça-feira (10), a aposta de que seriam legalizados sofreu um revés. Cumprindo uma decisão judicial de dezembro do ano passado, após pedido do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), os invasores começaram a ser despejados por uma operação cerca de 200 pessoas, incluindo 50 homens da tropa de choque da PM de Rondônia.
“Com certeza”, disseram, quase em coro, um grupo de cerca de dez invasores, quando a reportagem perguntou se eles entraram com a esperança de que Bolsonaro faria a regularização quando chegasse ao Planalto.
“O Bolsonaro falou, como o Brasil sabe, que as reservas não iriam existir mais”, disse um dos invasores. “Reservas abertas”, corrigiu outro, em referência de que parte da área invadida na Flona já havia sido desmatada e convertida ilegalmente em pasto em anos anteriores.
“Eu peço pro Bolsonaro: pelo amor de Deus, cuida de nós. Os brasileiros que dependem da terra não conseguem trabalhar. Nós não temos nada”, disse, em lágrimas, o servente de pedreiro desempregado Hélio Guimarães, 46. Pai de dois filhos pequenos, a sua família está em Cacoal (RO) e é beneficiária do Bolsa Família —ganham R$ 213 mensais, segundo ele.
Em visita durante a campanha, Bolsonaro disse que o estado tem um excesso de áreas protegidas. “Aqui em Rondônia são 53 unidades de conservação e 25 terras indígenas. É um absurdo o que se faz no Brasil, usando o nome ambiental”, disse o então candidato, em agosto do ano passado.
Presente na ação, o presidente do ICMBio, o coronel da PM-SP Homero de Giorge Cerqueira, negou que as declarações do presidente Jair Bolsonaro contra áreas protegidas tenham incentivado invasões.
Os invasores negam, mas o desmatamento foi ampliado nos últimos meses. Desde janeiro, a Flona perdeu 737 hectares de floresta, segundo o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Trata-se da maior perda de cobertura vegetal nessa unidade de conservação em 12 anos.
Segundo levantamento da PM, havia 228 barracos no acampamento, batizado de Boa Esperança, concentrados em uma área convertida em pasto. A maioria dos invasores já havia saído do local no momento do despejo, após notificação feita na semana passada. Os que ficaram não ofereceram resistência e serão levados a Rio Pardo.
Além do ICMBio e da PM, policiais civis e federais participaram da operação. O Exército deu apoio logístico com três caminhões. O desalojamento deve durar três dias e terminará com a derrubada dos barracos por um trator.
Junto com a reintegração de posse, a Polícia Federal prendeu quatro pessoas acusadas de terem organizado a invasão. Elas seriam responsáveis por cadastrar famílias, recolher mensalidades, demarcar lotes e contratar advogados.
Um dos invasores, o agricultor Raimundo de Freitas, 59, disse que eles também foram estimulados por fazendeiros. “Se a gente disser quem, a hora que vocês virarem as costas, eles matam a gente. É melhor não identificar.”
Criada em 1988, a Flona Bom Futuro já sofreu em gestões anteriores. No governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), teve início uma invasão em larga escala que culminou na criação da vila do Rio Pardo, com comércio e até posto de gasolina.
Em 2010, no governo Lula (PT), a Flona foi reduzida em dois terços para legalizar os invasores. Tratou-se de um acordo entre o governo federal e o de Rondônia em torno das usinas hidrelétricas Jirau e Santo Antônio.
A Flona, no entanto, continuou sofrendo com invasões. Houve reintegrações de posse em 2013, quando um PM foi assassinado, e em 2017 —nesta, os invasores estavam na mesma região que o atual acampamento.
“O que se vê é que a área continua sob pressão, e o que era ruim se acentua mais ainda. Há um crendice, diante do discurso presidencial, de que você pode invadir que o governo depois vai reduzir as áreas protegidas”, afirma Ivaneide Cardozo, da ONG Kanindé, sediada em Porto Velho (RO).
Ela afirma que a reintegração de posse não é suficiente para conter o avanço sobre áreas protegidas. “É preciso que o governo mude o discurso e exerça o papel de proteção desses territórios.”
“Uma coisa é esse monte de jornalista do mundo olhando pro Brasil. Aí o governo quer mostrar serviço. Mas como estará daqui a três meses? Haverá um política séria para o meio ambiente? O governo vai fortalecer a Funai, o ICMBio e o Ibama? A ditadura de proibir os funcionários desses órgãos de falar vai acabar?”
EM 30 ANOS, FLONA BOM FUTURO PERDE DOIS TERÇOS DO TERRITÓRIO
1988 Criação da Floresta Nacional (Flona) do Bom Futuro, no governo José Sarney, com 280 mil hectares
1995 No governo FHC, começa a invasão da Flona por grileiros, posseiros e madeireiros, incentivados por políticos da região
2000 Surge uma vila dentro da Flona, com comércio e posto de gasolina. Estimam-se 3.500 invasores
2009 Sob o governo Lula, Ibama faz maior operação de sua história até então, com 367 agentes, incluindo reforços do Exército, do ICMBio e da PM, para retirar 35 mil cabeças ilegais de gado. Desmatamento chega a 28%
2010 Após acordo entre o governo Lula e o de Rondônia, Flona perde dois terços do território, que se tornam Área de Proteção Ambiental (APA) e Floresta Estadual do Rio Pardo (FES), de gestão estadual. Desafetação abre caminho para legalização de grileiros e posseiros
2013 Mesmo reduzida, Flona volta a ser invadida. Nova operação de desocupação deixa um PM morto a tiro
2015 É criado o Conselho Consultivo da Flona, com a participação de posseiros da APA, para elaboração de plano de gestão
2017 ICMBio faz nova desocupação, desta vez sem incidentes
2018 Incêndio criminoso destrói parte de área reflorestada. Roubo de madeira continua. Em outubro, após o primeiro turno, há uma nova invasão
2019 Mais 737 hectares são desmatados ilegalmente. Em 10 de setembro, agentes da PM, do Exército e do ICMBio realizam operação de reintegração de posse, cumprindo ordem judicial