Donald Trump reage com fúria e destempero ao avanço do impeachment

Donald Trump reage com fúria e destempero ao avanço do impeachment

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Declarações incoerentes e malucas do presidente norte-americano levantaram novos temores sobre seu estado mental
Carta Capital

O olho de uma tempestade é enganosamente calmo. Na Casa Branca, o sol brilhava, um busto de Ronald Reagan repousava do lado de fora do escritório do secretário de Imprensa na Ala Oeste, um fuzileiro naval dos EUA saudava o presidente ao embarcar no Marine One e dezenas de afro-americanos da geração do milênio o aplaudiam na Ala Leste. Mas na cabeça de Donald Trump não havia calma. Havia uma tempestade de fogo.
O comportamento do presidente rompeu fronteiras de forma tão estupenda que atos como parabenizar a China comunista em seu 70º aniversário, supostamente pedir jacarés ou cobras e espinhos perfurantes para seu muro na fronteira e escrever a palavra nada presidencial bullshit nas redes sociais logo foram relegados a notas de rodapé históricas.

Em vez disso, à medida que as paredes de uma investigação de impeachment se fecham, os primeiros dias de outubro serão lembrados como a semana de raiva de Trump. Suas declarações incoerentes e malucas levantaram novos temores sobre seu estado mental. Seu convite descarado às potências estrangeiras para interferir nas eleições americanas levantou novos temores sobre seu niilismo moral. “É sem paralelo”, disse Larry Jacobs, diretor do Centro de Estudos de Política e Governança da Universidade de Minnesota. “Nunca vi um presidente se comportar de maneira tão peculiar, irracional e autodestrutiva quanto Trump.”

É um drama que se desenrola em dois níveis. Um deles é conhecido pelos estudiosos de Watergate e de outros escândalos de Washington: um rio de vazamentos, intimações, transcrições, delatores e audiências em comitês a portas fechadas. O outro é um tanto estranho: um comandante-em-chefe que não nega os atos errados porque não vê os erros, mas volta a cometê-los em plena luz do dia, confundindo seus defensores como se estivesse decidido a se autoimpugnar.

Jacobs acrescentou: “O que estamos vendo é o castelo de cartas que ele construiu implodir – como manipulou casualmente líderes nacionais e estrangeiros para trabalharem para ele. Não é apenas um vazamento ocasional, mas todos os dias parece haver uma nova explosão de informações ainda mais devastadoras. Trump parece estar em uma espiral descendente, e seus esforços para sair dela apenas aceleram o ritmo em que ele perde o controle do processo político, de modo que até seus apoiadores se perguntam onde isso vai parar”.

A espiral começou quando Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Deputados, anunciou um inquérito de impeachmentcontra Trump. Foi desencadeado pela denúncia de um delator da comunidade de inteligência sobre uma ligação telefônica em julho, na qual Trump pressionou o novo presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelenskiy, a desencavar sujeiras sobre a família do ex-vice-presidente Joe Biden, seu possível adversário nas eleições do próximo ano.

No domingo 29, Trump usou o Twitter para parafrasear um pastor conservador, prevendo que sua remoção do cargo poderia levar a uma guerra civil. O congressista republicano Adam Kinzinger, que serviu no Iraque, disse que o tuíte foi “além do repugnante”. De alguma forma, o presidente conseguiu, no entanto, tornar-se ainda mais apocalíptico com o passar da semana. Na segunda-feira 30, sugeriu que Adam Schiff, presidente do Comitê de Inteligência da Câmara e ponta de lança do impeachment, pudesse ser “preso por traição”. Na terça, seguiu a pista dos aliados Rush Limbaugh, Hugh Hewitt e Newt Gingrich e lançou casualmente a palavra “golpe”.

Mas as revelações continuaram a aparecer. Foi relatado que Trump e seu ministro da Justiça, William Barr, arrastaram a Austrália, a Grã-Bretanha e a Itália para seus esforços por desacreditar a investigação do procurador especial Robert Mueller sobre a Rússia. Mike Pompeo, o secretário de Estado, entrou em conflito com os comitês da Câmara, mas teve de reconhecer que participou da ligação entre Trump e Zelenskiy.

OS PRIMEIROS DIAS DE OUTUBRO SERÃO LEMBRADOS COMO A SEMANA DE RAIVA DE TRUMP. FOTO: ANDREW CABALLERO-REYNOLDS/AFP

Na quarta, as coisas ficaram realmente loucas. Trump sentou-se no Salão Oval com o presidente finlandês, Sauli Niinistö, e chamou Schiff de “desagradável”. Em uma entrevista coletiva conjunta, a fúria de presidente sobre o impeachmenttornou-se vulcânica. Um repórter obstinado desafiou-o várias vezes sobre o que exatamente ele esperava que o presidente Zelenskiy fizesse com Biden e seu filho Hunter. O presidente, irascível, ficou totalmente Travis Bickle, de Taxi Driver, afastando-se do pódio e indagando: “Você está falando comigo?”

A crise alimentou comentários sobre a aptidão psicológica de Trump para o cargo. Matthew Miller, ex-diretor da Divisão de Assuntos Públicos do Departamento de Justiça, disse: “O tipo de exibição que vimos, onde ele estava desconectado da realidade e com raiva, afogando-se em autopiedade, vimos antes nele, mas parece estar aumentando drasticamente. Estamos no começo do processo de impeachment, e provavelmente vai piorar para ele. Qualquer cidadão deste país precisa se preocupar com a perspectiva de o presidente rachar sob pressão no meio de tudo isso”.

Enquanto os republicanos se mantinham mudos ou procuravam desculpas, um político mais convencional teria se retirado para o bunker sem dizer nada. Não é o estilo de Trump. Ele correu na direção do fogo. Na manhã seguinte, saiu do pórtico Sul da Casa Branca para enfrentar uma parede humana de repórteres, fotógrafos e cinegrafistas esforçando-se para ouvi-lo acima do barulho do helicóptero Marine One.

Ele não apenas reiterou sua opinião de que a Ucrânia deveria procurar sujeira contra os Biden, como acrescentou: “A China deve iniciar uma investigação sobre eles, porque o que aconteceu na China é tão ruim quanto o que aconteceu com a Ucrânia”. Solicitar ajuda estrangeira em uma eleição é ilegal, mas Trump disse a parte silenciosa em voz alta, assim como fez durante a campanha eleitoral de 2016, quando pediu à Rússia que divulgasse os e-mails de Hillary Clinton. Não há evidências de que os Biden estejam envolvidos em corrupção criminal na Ucrânia ou na China.

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