“Indo para um show” é trecho do clássico do rock, ‘It’s a long way to the top, do AC/DC.
A música está no vídeo de divulgação da operação ‘Black Stone’, que resultou na prisão preventiva de quatro pessoas e apreensão de um adolescente na comunidade quilombola de Pedras Negras, na região do Vale do Guaporé.
O forte aparato policial tumultou o distrito com poucos moradores, dificuldade de acesso e comunicação, às margens do rio Guaporé e na fronteira com a Bolívia.
A ação policial que era para ser praticada como algo rotineiro e com o devido cuidado com a comunidade que abriga povo originário, se transformou num espetáculo midiático com a exposição dos suspeitos e prejudicou fortemente a vida dos quilombolas e a atividade turística no local.
A operação foi autorizada para desvendar a morte de um homem que segundo testemunhas teria sido assassinado em plano arquitetado por três homens, a viúva e com a participação de um adolescente.
“Aos investigados está sendo atribuída a prática do crime tipificado nos artigos 121, §2°, incisos I e IV, ambos do Código Penal e ainda a prática do crime tipificado no artigo 244-B, do Estatuto da Criança e do Adolescente”, conforme decisão que autorizou buscas e apreensões e prisões preventivas.
Os mandados foram cumpridos no último dia 11 e de lá pra cá, só a viúva teve a prisão revogada a pedido da Defensoria Pública de São Francisco do Guaporé.
Há pelo menos três linhas de investigação e sustentadas com testemunhos de quem mora distante e ouviu falar algo sobre o crime.
O clima é de apreensão na comunidade onde familiares e amigos dos presos têm procurado ajuda para denunciar os excessos no cumprimento dos mandados, a intranquilidade e prejuízos que a força-tarefa trouxe.
Um grupo de professores da Universidade Federal de Rondônia – UNIR, foi ver de perto a situação e ouviu relatos preocupantes sobre o ponto de vista dos excessos na operação e das famílias atingidas com as prisões.
O advogado Gustavo Dandolini, os professores Marco Antônio Teixeira e Uilian Nogueira foram à comunidade a pedido de uma moradora antiga de Pedras Negras. Lá se reuniram com vários moradores e colheram relatos sobre a ação policial e os impactos que as prisões causaram nas famílias dos investigados e no dia a dia dos quilombolas.
“O menor foi levado de noite, sem mandado judicial e o pai dele é o que aparece no vídeo da Polícia Civil com os tracajás. É comum em comunidades como essa a caça para alimentar famílias e eles não levaram isso consideração. O pai foi exposto na comunidade e levado à delegacia como forma de pressionar o depoimento do menor”, disse um morador que não quer seu nome divulgado.
Como este, vários relatos. O anonimato é por medo.
“Os policiais o obrigaram a posar para fotos com os tracajás. Fizeram ele desfilar com o animal na cabeça. Ele foi humilhado perante a comunidade. A gente acha que fizeram isso para pressionar o depoimento do filho”.
“Essa comunidade vive com a sustentabilidade do turismo e as prisões da forma como ocorreram apavoram quem vem nos visitar, prejudicam a economia local. Foi um show midiático e a polícia não pensou nas consequências para todos nós. Eles nem apuraram se foi realmente um assassinato e como aconteceu”.
“Esse vídeo que divulgaram nas redes sociais prejudicou toda a comunidade. O turista vai achar que é um lugar violento pela forma como divulgaram essa operação”.
“Quando alguém ouve um barulho de voadeira, já pensa que é a polícia e vai assistir um espetáculo assustador de novo”.
O professor Marco Teixeira falou aos moradores sobre a importância de esclarecimento da morte com responsabilidade social, pois a comunidade e atividade turística estão realmente sendo afetadas com o sensacionalismo da operação.
“Se houve um crime, o fato precisa ser corretamente esclarecido e levado à justiça. Meu apoio e solidariedade se estende desde a família do morto, que está sofrendo e exige respostas que devem ser corretas e precisas, mas se estende também, a toda a comunidade de Pedras Negras, que também, está sofrendo e se desintegrando diante do ocorrido”, disse o historiador que estuda os povos originários há décadas.
Em Pedras Negras, Marco Teixeira criou laços afetivos e aponta que alguns depoimentos que ampararam as prisões preventivas se contrastam com a realidade dos investigados.
“Não posso deixar de considerar que as pessoas envolvidas são pessoas boas e de tradicionais famílias do Guaporé. Alguns são parentes do morto em graus diferentes. Uma família me chama a atenção pela pobreza e total ausência de recursos, mas pela generosidade com que sempre tratam e acolhem a todos vão lá. Essa família tem no pai preso, sua única fonte de sustento. As 6 crianças e a esposa o acompanhavam onde ia, para cada pescaria, para a coleta de castanha, para as limpezas de roçado, para os serviços feitos em lotes de terceiros”.
O vídeo da operação foi excluído do Facebook após duras críticas ao flagrante sensacionalismo com uma tragédia e total desprezo com o impacto social e econômico na região.
Até que o crime seja desvendado, tem um longo caminho, como sugere a trilha sonora da operação.
E os moradores pedem: sem show.