Ferramenta reúne afirmações do presidente checadas e contextualizadas pela Folha desde o início do mandato.
Na FSP
Guilherme Magalhães
Rodrigo Borges Delfim
SÃO PAULO
O presidente Jair Bolsonaro dá ao menos 1 declaração falsa ou imprecisa a cada 4 dias. É o que aponta o Bolsonômetro, ferramenta que reúne afirmações do presidente checadas e contextualizadas pela Folha, lançada nesta quarta-feira (6).
De início, foram checadas 86 declarações de Bolsonaro, feitas em postagens em redes sociais, transmissões ao vivo, entrevistas e discursos desde 1º de janeiro, quando tomou posse.
Cada afirmação considerada falsa ou imprecisa foi contextualizada e, com base em reportagens da Folha e em estatísticas, foi classificada em um desses dois grupos. Se imprecisa, recebe o selo “Não é bem assim”.
A ferramenta, que será atualizada constantemente a partir de agora, também apresenta um gráfico com o acumulado diário e mensal de afirmações falsas e imprecisas de Bolsonaro.
Nesta quarta-feira, por exemplo, o presidente escreveu em rede social que três empresas fechariam suas fábricas na Argentina e se instalariam no Brasil, insinuando que o motivo seria a vitória do kirchnerismo na eleição presidencial argentina, em outubro —Bolsonaro é crítico da ex-presidente e agora vice eleita, Cristina Kirchner. Uma hora depois, o presidente apagou a postagem. As empresas negaram a informação.
Na semana passada, durante entrevista à TV Bandeirantes, Bolsonaro mencionou um café da manhã em que recebeu a Folha no Palácio da Alvorada, em 3 de setembro.
“Conversei com eles numa boa e, no dia seguinte, foi um festival de desinformação. Eu até fui criticado por assessores meus, e com razão. Por que falou com a Folha? Eu fui tentar dar uma chance pra eles. Não saiu nada do que eu falei. Só saiu desinformação. E algumas palavras que eu usei ali e falei: ‘Isso aqui é palavrão, segura a onda, escorreguei’. Saiu palavrão [na entrevista], saiu tudo lá. Não dá pra gente confiar, por exemplo, na Folha de S.Paulo”, afirmou o presidente.
Durante a entrevista, o presidente autorizou que todo o teor da conversa fosse publicado, com exceção dos palavrões ditos por ele no café da manhã, o que foi respeitado pela Folha. Bolsonaro também não havia reclamado de distorções no conteúdo das declarações quando a reportagem foi publicada.
Com uma média de 8,6 declarações falsas ou imprecisas por mês desde que assumiu o governo, Bolsonaro acumulou mais da metade dessas afirmações nos meses de agosto e setembro —cada um registrou 20.
Em agosto, auge da crise provocada pelas queimadas na Amazônia, Bolsonaro se envolveu em polêmicas com o presidente da França, Emmanuel Macron, e foi alvo de críticas da comunidade internacional.
O brasileiro afirmou, por exemplo, que “a floresta não está pegando fogo como o pessoal está dizendo” e que o “clima seco e os ventos favorecem queimadas espontâneas e criminosas”.
O número de incêndios registrados entre janeiro e agosto deste ano foi o maior em nove anos, enquanto a estiagem foi mais branda do que em anos anteriores.
Análise do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) apontou que os focos estavam concentrados em áreas desmatadas.
Pesquisadores da Nasa (agência espacial americana) que monitoram queimadas no planeta afirmaram que os principais focos de calor detectados por satélites sobre a América do Sul estão relacionados ao corte raso de floresta na região amazônica.
No mês seguinte, ao discursar na abertura da Assembleia Geral da ONU, Bolsonaro voltou a emitir declarações que não se corroboram. O dia do discurso, 24 de setembro, foi o que registrou o maior número até agora de declarações dessa natureza: 11.
O presidente afirmou, por exemplo, que o governo brasileiro tem “política de tolerância zero para com a criminalidade, aí incluídos os crimes ambientais”.
Bolsonaro, no entanto, tem questionado dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) que apontam aumento do desmatamento.
Na ONU, o presidente também reafirmou o compromisso do Brasil “com os mais altos padrões de direitos humanos, com a defesa da democracia e da liberdade, de expressão, religiosa e de imprensa”.
Ele, no entanto, defende a ditadura militar (1964-1985), elogiou diversas vezes o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, condenado por tortura, e acusa a imprensa de persegui-lo.
Para o cientista político Carlos Melo, professor do Insper, o presidente “se preocupa em falar com o eleitor dele, com as redes sociais dele, e fala o que esse eleitor quer ouvir. Evidentemente nem sempre o que as pessoas querem ouvir é a verdade”.
A mais recente pesquisa Datafolha sobre a avaliação do governo apontou que 44% da população diz nunca confiar nas declarações de Bolsonaro, 36% afirmam que confia às vezes, e 19% confiam sempre. O levantamento ouviu 2.878 pessoas nos dias 29 e 30 de agosto em 175 municípios.
As afirmações falsas ou imprecisas do presidente foram separadas em 19 categorias, que vão desde saúde e educação até imprensa e questão indígena, passando por política externa e segurança pública, entre outras.
É possível visualizar todas em uma mesma tela ou filtrá-las de acordo com a categoria e o status —”Falso” e “Não é bem assim”.