Em dez anos, o estado desmatou 30,8 mil km²; faltam investimentos para ações efetivas de combate às derrubadas.
Catarina Barbosa
Brasil de Fato |
O Pará é o estado que mais desmatou na Amazônia Legal nos últimos dez anos, com cerca de 30.861,76 km² de floresta derrubada, segundo dados do portal TerraBrasilis, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
A repercussão na imprensa do Dia do Fogo, com queimadas combinadas por fazendeiros nos dias 11 e 12 de agosto, não foi suficiente para frear o avanço do fogo. Um levantamento dos últimos três meses mostram que 819,24 km² de floresta foram devastados em agosto; 497,80 km² em setembro; e 120,94 km² até o dia 17 de outubro.
Até o dia 17 de outubro, o desmatamento de 2019 superava em 14% o de todo o ano de 2018 com cerca de 8.413 km² de floresta derrubada, 1.200 km² a mais do que 2018, quando foram desmatados 7,2 mil km². O município paraense com maior registro de desmatamento foi Altamira, onde está localizada a hidrelétrica de Belo Monte e onde ocorreu o massacre no Centro de Recuperação.
Para André Cutrim, professor do núcleo de meio ambiente da Universidade Federal do Pará (UFPA), a relação desmatamento não só no estado do Pará, mas em toda a Amazônia Legal está ligada a um enfraquecimento dos órgãos de fiscalização ambiental. Segundo ele, em anos anteriores, o desmatamento teria sido menor porque a fiscalização era mais eficaz.
“Os recursos direcionados para fiscalizações, para realização de incursões em áreas ilegais, em áreas onde foram identificadas queimadas, por tabela, desmatamentos eram muito maiores. Neste ano, temos a diminuição desses recursos, e consequentemente uma suscetibilidade, e fragilidade para punição dessas atividades clandestinas”, explica o docente.
A reação do governo às queimadas
No dia 28 de agosto, o governo federal publicou um decreto proibindo as queimadas por um período de 60 dias. O decreto 9.992/19 vetava a prática, incluindo o uso de queima controlada, que é permitida e regulamentada pelo decreto 2.661/98.
André Cutrim afirma que quando o governo direciona práticas pontuais de combate ao desmatamento, sobretudo as que envolvem o envio do exército para determinadas regiões, o índice de desmatamento pode até cair por um tempo, mas a longo prazo a ação pontual não gera resultados efetivos de combate ao desmatamento.
“Os dados atuais têm mostrado que houve sim uma diminuição, mas uma diminuição pontual, eu diria até marginal, economicamente falando, porque, no momento em que os esforços em torno dessas ações criminosas diminuem, você tem a volta das áreas queimadas e do desmatamento”, afirma.
Para a ecóloga e ex-diretora do museu Emílio Goeldi, Ima Vieira, antes de mais nada é preciso entender que a degradação ambiental resultado das queimadas e incêndios – que é quando uma queimada foge do controle – são fruto de uma crise socioambiental.
Portanto, para pensar em soluções para a Amazônia, Vieira propõe que se considere a realidade de forma ampliada, sem tentar simplificar os processos de restauração.
“O princípio do bem comum na ecologia integral é muito importante.Trata dos princípios da pessoa humana e da opção preferencial pelos pobres. Embora os pobres também degradem, porque têm o seu sistema de roça e queima ligados à degradação na Amazônia, eles não são os principais atores de degradação. Os territórios de disputa para a restauração devem ser evitados”, afirma.
O que a ecóloga chama de territórios de disputa são as áreas de conflito para uso de exploração madeireira ou até mesmo para pecuária.
“O desmatamento dessas áreas que estão sendo queimadas agora ocorreu entre abril e maio de 2019. Agora não está se desmatando, agora seriam as queimadas. Nós temos um desmatamento e uma degradação associadas à questão do mercado de terra. Todos sabemos que aquele boom de degradação e queimadas que houve estão associados a essa dinâmica muito perniciosa e muito rápida”, explica.
A pesquisadora lembra que de cada dez hectares da Amazônia seis viram pasto, três são abandonados e um vira agricultura. Ou seja, a questão do desmatamento está intimamente ligada com o modelo de produção que desenvolvemos.
Segundo dados do departamento de agricultura dos Estados Unidos (USDA), o Brasil é o terceiro país que mais consome carne no mundo. Foram 7,9 milhões de toneladas de carne consumidas em 2018. Em primeiro lugar está os Estados Unidos com 12,6 milhões de toneladas e em segundo a China com 8,5 milhões de toneladas.
Com a informação de que a pecuária é a que está mais ligada com o desmatamento na Amazônia, fica comprovado, segundo a pesquisadora que o mercado de terras, seja para a pecuária ou extração ilegal de madeira, é o que mais está ligado com o desmatamento.
“Com governança baixa, o mercado de terra se eleva, aumenta, ele ativa. Então, quando a governança aumenta, o mercado de terra diminui. Quando a governança do desmatamento, o controle estava maior, houve um deslocamento para o cerrado. Nessa outra região a soja entrou e houve toda uma estratégia e nós sabemos que essas queimadas de julho e agosto estão associadas a esse mercado de terra”, finaliza.
Edição: Rodrigo Chagas