Santos, o clube de ídolos negros que levanta bandeiras contra o racismo

Santos, o clube de ídolos negros que levanta bandeiras contra o racismo

Maria Dias, Edu e Taílson com crianças de comunidade em Praia Grande na campanha de lançamento do terceiro uniforme.

Clube paulista fez uma camisa especial para homenagear ídolos negros de sua história e foi contundente ao se manifestar sobre episódio racista em seu estádio: “se você é preconceituoso, não torça para o Santos”.

“Se você é racista, preconceituoso ou xenófobo, por favor, não compareça aos jogos do Santos FC. (…) Melhor ainda: deixe de torcer para o Santos. Você não merece esse clube e não é bem-vindo em nossa casa”. Foi com essa mensagem que o perfil oficial do Santos no Twitter respondeu a denúncia de Thiago Galhardo, meia do Ceará, que acusou um torcedor santista de ato racista e xenófobo contra o companheiro Fabinho em partida do clube cearense na Vila Belmiro, em 17 de outubro, pelo campeonato brasileiro. A acusação foi feita no fim do jogo, em entrevista ao Esporte Interativo, e corroborada pela repórter presente da mesma emissora, Aline Nastari. Ao contrário de casos onde o clube defendeu sua torcida, o Santos não duvidou de Galhardo e foi além de uma simples nota de repúdio com a contundente publicação na rede social. “Sem dúvidas, foi o posicionamento mais forte que já tivemos de um clube no Brasil”, afirma Marcelo Carvalho, criador do Observatório da Discriminação Racial no Futebol.

A mensagem divulgada pelo clube não foi a única vez que os santistas estiveram envolvidos no combate ao racismo neste ano. Em abril, o conselheiro do Santos Adilson Durante Filho teve um áudio com ofensas racistas divulgado, o que fez a torcida colocar a tag #ExpulsaORacista entre os assuntos mais comentados do Twitter brasileiro. Apesar da revolta, o conselheiro —que na ocasião disse ter se arrependido da “infeliz” fala e afirmou que o áudio era antigo— só foi excluído do quadro em outubro. No início do mesmo mês, o clube lançou a série de vídeos no YouTube “Time de branco e preto” para promover o novo terceiro uniforme, inteiro preto, feito para homenagear os jogadores negros da história do Santos. “Enquanto um homem negro desafiar o sistema com uma bola no pé, o Santos viverá” foi um dos lemas da série estrelada Mano Brown, Emicida, Serginho Chulapa e Maria Dias, entre outros.

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Nossa arquibancada é espaço para quase todos: temos santistas de todas as raças, idades, origens, moradores de todas as partes do Brasil, gêneros, diferentes posições políticas, opções, gostos e credos. Só não temos espaço para preconceituosos.

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Já neste sábado, 16 de novembro, os jogadores do Peixe entraram em campo pela 33ª rodada do Brasileirão na Vila Belmiro para encarar o São Paulo com uma camiseta com um símbolo de porcentagem ao lado dos números, cada um deles indicando algum índice de desigualdade racial no Brasil. “Números que representam não somente quão minoritárias são as pessoas negras em profissões, mas também com formações superiores, em diferenças salariais e outros dados alarmantes, como em percentual de vítimas de homicídios”, explicava o clube, nas redes sociais, antes do clássico San-São, que terminou em 1 x 1. A iniciativa, entretanto, acabou sendo ofuscada pela presença do presidente ultradireitista Jair Bolsonaro, que vestia uma camisa do time de Pelé, e cuja ida desagradou parte a torcida. O mandatário (que é torcedor do Palmeiras), foi vaiado —mas também aplaudido— por torcedores tanto do Santos quanto do São Paulo.

“A campanha da camisa foi planejada mais como exaltação dos heróis negros que construíram a história do Santos do que como combate ao racismo. Assim que definimos que a camisa seria toda preta, percebemos a oportunidade que tínhamos de passar uma mensagem clara e forte sobre o tema”, conta o executivo de comunicação e marketing do clube, Marcelo Frazão. Um dos responsáveis pela escolha do tema para a divulgação do uniforme e pela formulação mensagem após Santos x Ceará, Frazão fala da importância do esporte como veículo para esse tipo de posicionamento. “A ideia é utilizar a voz e a paixão que o futebol movimenta para abraçar causas como a luta contra o racismo e a homofobia. Creio que seja uma tendência os clubes terem essa responsabilidade social”.

Através do Observatório Racial, Marcelo Carvalho monitora ofensas raciais e promove ações de combate ao preconceito dentro do âmbito esportivo. Segundo ele, comportamentos como o adotado pelo Santos são pontuais em grande parte dos clubes do Brasil, normalmente ligados a datas específicas como o dia da Consciência Negra, em 20 de novembro. “O Santos foi o primeiro a puxar essa ação para fora de novembro e demonstrar que de fato não aceita torcedores racistas”, comenta Carvalho. No entanto, a exclusão de Durante Filho do quadro de conselheiros e o lançamento da camisa aconteceram quase um ano após o último posicionamento santista acerca do tema, quando o clube utilizou o 20 de novembro para homenagear atletas negros em 2018.

Frazão justifica a demora com a necessidade de um contexto para a manifestação. No caso da camisa, o lançamento de um terceiro uniforme e, no caso da mensagem, o fato de precisar de uma resposta “clara, forte e rápida” ao episódio na Vila. Ele ainda ressalta que, apesar do teor do post santista, o texto da mensagem foi rapidamente aprovado dentro do clube por conta da crença em uma continuidade no posicionamento institucional contra o racismo. “Redigimos o texto e imediatamente tivemos a aprovação para publicar. Eles entenderam que, em alguns momentos, é preciso ser intolerante com intolerantes”.

É consenso entre Frazão e Carvalho que o combate ao preconceito não pode ficar somente no discurso. Para o executivo de marketing, as duas manifestações em menos de um mês provam que o posicionamento antirracista se tornou um norte do clube, o que pode influenciar até na escolha por profissionais que tenham visibilidade dentro do futebol. “Quando você projeta o valor da desigualdade de oportunidades e descriminação pela cor dentro da instituição, isso deve ter desdobramentos também no campo administrativo”. No país onde somente dois treinadores da elite atual são negros, o Santos esteve entre as exceções ao contratar Jair Ventura e Serginho Chulapa (auxiliar fixo do clube) como técnicos em 2018, antes da chegada de Jorge Sampaoli.

“O sonho do Observatório é que os clubes brasileiros tenham um posicionamento mais forte e estabeleçam mais maneiras de inserir o negro em posições importantes”, pontua Carvalho. O departamento de marketing do clube paulista confirma que a ideia é planejar mais manifestações contra o preconceito em novembro, mês marcado pelo dia da consciência negra, com o objetivo de tornar o pilar algo cada vez mais consistente dentro do Santos. “A mensagem que o clube tem passado, assim como a fala do Roger [Machado, treinador negro do Bahia que discursou contra o racismo após o jogo contra o Fluminense], não podem cair no esquecimento”, conclui o pesquisador do Observatório da Discriminação Racial no Futebol. “É necessário pensar o que pode ser feito dentro de onde trabalhamos a partir desses posicionamentos, e não somente bater palma. Essa é a nossa esperança”.

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