Uma garota de cinco anos de uma cidade no sudeste da Índia conseguiu ser matriculada na escola depois que uma foto dela espreitando uma sala de aula viralizou e causou comoção no país. Mas Deepthi Bathini, correspondente da BBC Telugu (serviço da BBC em uma das línguas oficiais da Índia), explica por que a foto não conta a história inteira.
Da BBC
Divya se tornou uma espécie de celebridade na favela onde ela vive. A tímida garota de cinco anos foi fotografada acompanhando uma aula em pé, do lado de fora da sala, com uma tigela vazia na mão.
A tocante imagem foi publicada por um jornal telugu em 7 de novembro com a legenda “Olhar faminto”.
E rapidamente chamou a atenção das pessoas. Ativistas de direitos das crianças compartilharam a foto, lamentando que outra criança tinha negado seu direito de acesso à alimentação e à educação.
O impacto foi imediato, e Divya foi matriculada no dia seguinte da publicação.
Mas seu pai, Lakshman, afirma que a foto e a comoção que ela provocou foram injustas com ele e sua mulher, Yashoda, que trabalha com limpeza.
“Fiquei triste quando vi a foto”, disse ele à BBC. “Divya tem pais e eles estão trabalhando duro para dar um bom futuro a ela, mas ela foi retratada como uma órfã faminta.”
Lakshman afirmou que aguardava que sua filha, Divya, completasse seis anos para que pudesse inscrevê-la na escola pública onde suas outras duas filhas estudam.
O casal tem também um filho, que terminou a escola e agora está tentando entrar na faculdade — enquanto isso, ele ajuda o pai, que trabalha como catador.
Quebrando o ciclo
Divya e seus pais moram numa casa de um quarto numa região pobre no coração de Hyderabad, capital do Estado de Telengana. A favela fica a cem metros da escola pública onde Divya foi fotografada.
A maioria das quase 300 famílias que vivem ali são trabalhadores informais e pais de crianças que estudam naquela escola.
Em frente à casa de Divya há diversas pilhas de plástico e de vidro, prontas para serem vendidas para reciclagem. O pai dela, Lakshman, afirma que ele e sua mulher ganham cerca 10 mil rúpias mensais (cerca de R$ 580), que servem para comprar roupas e comidas.
Eles não gastam com educação porque os filhos estão matriculados em escolas públicas.
Lakshman sabe o que é sobreviver: ele cresceu sem os pais e sempre batalhou para conseguir uma renda. “Eu sempre quis que meus filhos tivessem uma vida diferente da minha. Então, fiz com que todos fossem para a escola.”
A foto da filha pequena, acrescenta, foi especialmente dolorosa porque naquele momento ele estava tomando conta também dos cinco filhos de seu irmão.
“Meu irmão e minha cunhada morreram há algum tempo. Eu não queria que eles crescessem em orfanatos. Então, eu coloquei todos em um albergue e tomo conta deles.”
Quando questionado sobre o motivo para Divya ter ido à escola do governo com uma tigela na mão, Lakshman explica que muitas crianças mais novas que moram naquela favela vão à escola para aproveitar a merenda. O governo oferece refeições para crianças em mais de 1 milhão de escolas.
“Divya não vai lá todos os dias, mas aconteceu de ela estar lá naquele dia e alguém ter fotografado”, afirma.
Redistribuição da merenda
Professores da escola confirmaram à BBC que algumas crianças trazem comida de casa, e por isso a instituição dá as refeições restantes para crianças mais novas que ainda não se matricularam.
“Crianças são crianças. E não há creches ou centros de convivência para elas durante o dia, então muitas delas ficam rondando a escola de um jeito ou de outro”, disse um professor, sob condição de anonimato.
Lakshman e seus vizinhos dizem a falta de creches públicas nas redondezas é um grande problema, já que os pais não têm lugar para deixar seus filhos enquanto trabalham.
O superintendente escolar da região, SU Shivram Prasad, diz esperar que a atenção gerada pela foto de Divya acelere a criação de uma creche. “Isso ajudará os pais e as crianças a comerem refeições nutritivas.”
Os professores da escola também esperam que os holofotes sobre a escola tragam também melhorias às instalações. Eles dizem que há escassez aguda de pessoal e material didático, e a escola nem sequer possui um muro, o que significa que eles devem vigiar constantemente as crianças durante os intervalos.
Apesar dessas condições, Divya está animada por estar indo para a escola. Ela insiste em levar a mochila com ela em todos os lugares, até ao parquinho. Além de dizer o nome dela, ela não responde a nenhuma pergunta.
“Ela é uma criança muito tranquila”, diz Lakshman, enquanto a filha segura sua mão e a beija.
E ele admite que, apesar de tudo, a foto trouxe algo de bom.
“Agora, outras crianças da idade de Divya também foram matriculadas na escola. Então, isso tudo me deixou feliz.”