Atos e falas são pontes entre governo de Bolsonaro e a ditadura; entenda

Atos e falas são pontes entre governo de Bolsonaro e a ditadura; entenda

Do AI-5 a ameaças à imprensa, relembre episódios que aproximam a atual gestão do regime militar.

Na Folha de São Paulo

Guilherme MagalhãesSÃO PAULO

Iniciado em 31 de março de 1964, o golpe militar se consolidou na madrugada de 1º para 2 de abril. A partir de então, o país permaneceu 21 anos sob uma ditadura. ​

Do AI-5 a ameaças à imprensa, veja episódios que aproximam o governo de Jair Bolsonaro (sem partido) do regime militar que governou o Brasil entre 1964 e 1985. ​

filho do presidente e deputado federal, Eduardo Bolsonaro, e o ministro da Economia, Paulo Guedes, mencionaram o AI-5, editado pela ditadura militar em 1968, como possível resposta do governo Bolsonaro a uma suposta radicalização de protestos da esquerda, que nunca ocorreu.

Após sair da cadeia, no dia 8 de novembro, o ex-presidente Lula (PT) convocou a esquerda a protestar contra a política econômica do governo Bolsonaro e disse que os jovens deveriam ir às ruas assim como os jovens na Bolívia e no Chile, países conflagrados por manifestações de massa nos últimos meses. Até o momento, porém, nenhum grande protesto foi marcado.

“Sejam responsáveis, pratiquem a democracia. Ou democracia é só quando o seu lado ganha? Quando o outro lado ganha, com dez meses você já chama todo mundo para quebrar a rua? Que responsabilidade é essa? Não se assustem então se alguém pedir o AI-5. Já não aconteceu uma vez? Ou foi diferente? Levando o povo para a rua para quebrar tudo”
Paulo Guedes, ministro da Economia, em entrevista coletiva em 25.nov


“Se a esquerda radicalizar a esse ponto, a gente vai precisar ter uma resposta. E uma resposta pode ser via um novo AI-5, pode ser via uma legislação aprovada através de um plebiscito como ocorreu na Itália. Alguma resposta vai ter que ser dada”

Eduardo Bolsonaro, líder do PSL na Câmara, em entrevista em 31.out

O que foi o AI-5?
Editado em 13 de dezembro de 1968, deu início ao período de maior repressão da ditadura militar (1964-1985).

  • Deu novamente ao presidente o poder de fechar o Congresso, Assembleias e Câmaras. O Congresso foi fechado por tempo indeterminado no mesmo dia
  • Renovou poderes conferidos antes ao presidente para aplicar punições, cassar mandatos e suspender direitos políticos, agora em caráter permanente
  • Suspendeu a garantia do habeas corpus em casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e a economia popular
  • Deu ao presidente o poder de confiscar bens de funcionários acusados de enriquecimento ilícito

USO DA LEI DE SEGURANÇA NACIONAL CONTRA LULA

O presidente ameaçou usar a Lei de Segurança Nacional (um resquício do regime militar cujo texto não foi alterado pela Constituição de 1988) contra o ex-presidente Lula, que em discursos após ser solto vem criticando a política econômica do governo e o próprio Bolsonaro.

“Temos uma Lei de Segurança Nacional que está aí para ser usada. Alguns acham que os pronunciamentos, as falas desse elemento [Lula], que por ora está solto, infringem a lei. Agora, nós acionaremos a Justiça quando tivermos mais do que certeza de que ele está nesse discurso para atingir os seus objetivos”
Jair Bolsonaro, presidente da República, em entrevista em 11.nov

O que diz a lei?
A Lei de Segurança Nacional foi publicada em 14 de dezembro de 1983, no governo Figueiredo, último presidente da ditadura militar.

Com 35 artigos, ela define os crimes contra a segurança nacional e a ordem política e social. Prevê penas de 1 a 30 anos de prisão para 21 crimes descritos em seus artigos, entre eles: atentar contra o Estado de Direito, caluniar ou difamar o presidente ou outra autoridade da República.

ATAQUES À IMPRENSA

Bolsonaro coleciona episódios de ameaças a jornalistas e à imprensa, em especial contra a Folha. Na semana passada, a Presidência da República excluiu o jornal de uma licitação sem informar o critério técnico que embasou a decisão, e o presidente afirmou que boicota produtos de anunciantes da Folha.

Em agosto, Bolsonaro ironizou o jornal Valor Econômico após assinar medida provisória que acaba com a obrigatoriedade de empresas publicarem balanços em diários impressos. A TV Globo também foi alvo do presidente, que ameaçou não renovar a concessão da emissora após reportagem que o citou na investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco.


“Determinei que todo o governo federal rescinda e cancele a assinatura da Folha de S.Paulo. A ordem que eu dei [é que] nenhum órgão do meu governo vai receber o jornal Folha de S.Paulo aqui em Brasília”
Jair Bolsonaro, em entrevista no dia 31.out


“Não vamos mais gastar dinheiro com esse tipo de jornal. E quem anuncia na Folha de S.Paulo presta atenção, está certo?”
Jair Bolsonaro, em live nas redes sociais no dia 31.out, pouco após anunciar o cancelamento de assinaturas da Folha


“Eu espero que o Valor Econômico sobreviva à medida provisória de ontem”
Jair Bolsonaro, em discurso no dia 6.ago, ao comentar MP que permite a publicação de balanços de empresas de capital aberto na internet ou no Diário Oficial, em vez de em veículos impressos


“Vocês [TV Globo] vão renovar a concessão em 2022. Não vou persegui-los, mas o processo vai estar limpo. Se o processo não estiver limpo, legal, não tem renovação da concessão de vocês, e de TV nenhuma. Vocês apostaram em me derrubar no primeiro ano e não conseguiram”
Jair Bolsonaro, em live nas redes sociais em 30.out, um dia após reportagem da Globo citá-lo na investigação da morte de Marielle Franco

CRÍTICAS DE CARLOS AO REGIME DEMOCRÁTICO

O vereador Carlos (PSC-RJ) é apontado como a pessoa por trás das redes sociais do presidente. Uma postagem no Twitter causou polêmica em setembro, quando afirmou que as mudanças almejadas para o Brasil não aconteceriam por vias democráticas.

“Por vias democráticas a transformação que o Brasil quer não acontecerá na velocidade que almejamos… e se isso acontecer. Só vejo todo dia a roda girando em torno do próprio eixo e os que sempre nos dominaram continuam nos dominando de jeitos diferentes!”
Carlos Bolsonaro, em postagem de 9.set no Twitter

EXCLUDENTE DE ILICITUDE EM OPERAÇÕES DE GLO

Bolsonaro enviou ao Congresso projeto de lei para isentar de punição militares e policiais que cometerem excessos em operações de GLO (Garantia da Lei e da Ordem).

A GLO é autorizada pelo presidente, em área restrita e por tempo limitado. Concede provisoriamente a integrantes militares e civis das Forças Armadas e da Polícia Federal permissão para atuarem como polícia.

O presidente também defende o uso da GLO em reintegrações de posse em invasões de terra no campo, atribuição hoje que cabe aos governos estaduais.

“Vai tocar fogo em ônibus, pode morrer inocente, vai incendiar bancos, vai invadir ministério, isso aí não é protesto. E se tiver GLO já sabe que, se o Congresso nos der o que a gente está pedindo, esse protesto vai ser simplesmente impedido de ser feito”
Jair Bolsonaro, em entrevista no dia 25.nov


“Quando marginais invadem propriedades rurais, e o juiz determina a reintegração de posse, como é quase como regra que governadores protelam, poderia, pelo nosso projeto, ter uma GLO do campo para chegar e tirar o cara”
Jair Bolsonaro, em entrevista no dia 
25.nov

RELAÇÃO COM A AMAZÔNIA

A política ambiental do governo Bolsonaro ecoa a da ditadura militar em relação à Amazônia, com o lema “integrar para não entregar”. Com isso, defende uma ocupação predatória da floresta, que seria cobiçada por outros países segundo teoria conspiratória difundida entre militares.

COMO OS PODERES TÊM REAGIDO

Legislativo 
Os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, condenaram a fala do ministro Paulo Guedes sobre reedição do AI-5.

Judiciário
O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, também condenou a declaração de Guedes.

“O AI-5 é incompatível com a democracia. Não se constrói o futuro com experiências fracassadas do passado”
Dias Toffoli, presidente do STF, em entrevista no dia 26.nov

Toffoli, no entanto, já foi alvo de críticas ao chamar o golpe de 1964, que deu início à ditadura militar, de “movimento”.

“Hoje, não me refiro nem mais a golpe nem a revolução. Me refiro a movimento de 1964”
Dias Toffoli, em discurso no dia 1º.out.2018

O presidente do Supremo foi ainda criticado pelo silêncio após a declaração do deputado Eduardo Bolsonaro sobre a reedição de um AI-5 caso a esquerda “radicalizasse”.

Executivo
O porta-voz da Presidência, general Otávio Rêgo Barros, ao ser questionado, disse que a declaração de Guedes era uma questão de “caráter pessoal” e minimizou a posição de Bolsonaro sobre o AI-5.

“O presidente vê o AI-5 como um evento histórico”
Otávio Rêgo Barros, porta-voz da Presidência, em entrevista no dia 26.nov

O HISTÓRICO DE BOLSONARO EM RELAÇÃO À DITADURA

O hoje presidente já prestou diversos elogios ao regime militar e a figuras da repressão como o coronel Ustra, condenado por tortura.

“Temos de conhecer a verdade. Não quer dizer que foi uma maravilha, não foi uma maravilha regime nenhum. Qual casamento é uma maravilha? De vez em quando tem um probleminha, é coisa rara um casal não ter um problema, tá certo? […] E onde você viu uma ditadura entregar pra oposição de forma pacífica o governo? Só no Brasil. Então, não houve ditadura”
Jair Bolsonaro, em entrevista no dia 27.mar


“Pau-de-arara funciona. Sou favorável à tortura, tu sabe disso. E o povo é favorável também”
Jair Bolsonaro, então deputado federal, em entrevista em 1999


“A atual Constituição garante a intervenção das Forças Armadas para a manutenção da lei e da ordem. Sou a favor, sim, a uma ditadura, a um regime de exceção, desde que este Congresso dê mais um passo rumo ao abismo, que no meu entender está muito próximo”
Jair Bolsonaro, então deputado federal, em discurso na tribuna da Câmara no dia 24.jun.1999

Quais leis podem punir esse tipo de apologia da ditadura?

Não há hoje lei que tipifique como crime especificamente a apologia da ditadura. Mas, segundo a subprocuradora-geral da República Luiza Frischeisen, declarações em defesa do regime podem ser enquadradas como crime com base na Lei de Segurança Nacional, no artigo 287 do Código Penal e, no caso de agentes públicos como presidente e ministros, na Lei dos Crimes de Responsabilidade (lei 1.079/50).

A Lei de Segurança Nacional, em seu artigo 22, qualifica como crime “fazer, em público, propaganda de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social”, com pena de 1 a 4 anos de detenção. Já o artigo 23 da mesma lei afirma que é crime “incitar à subversão da ordem política ou social, à animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições civis”, com pena de 1 a 4 anos de reclusão.

O Código Penal, por sua vez, criminaliza a apologia do crime. Já a Lei dos Crimes de Responsabilidade pune quem “provocar animosidade entre as classes armadas ou contra elas, ou delas contra as instituições civis”.

No caso de parlamentares, há dúvidas se poderiam ser punidos, visto que a Constituição assegura que “deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. Frischeisen, contudo, defende que isso não vale para casos como apologia da ditadura e à tortura.

No Congresso, tramitam projetos de lei que criminalizam a apologia da ditadura militar.

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